tag:blogger.com,1999:blog-74390041188325782192023-11-15T10:58:14.340-08:00Malu VargasNeste blog estão minhas colunas publicadas aos domingos no jornal local, O Nacional, além de textos eventuais. Seja bem-vindo! Contato? malubvargas@gmail.comMalu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comBlogger58125tag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-20964412542452489722012-10-29T09:39:00.001-07:002012-10-29T09:39:50.663-07:00Da camaradagem“Como homem, meu sistema default é ‘estou sempre certo’. Mas depois que me casei mudei o default para ‘minha mulher está sempre certa’.” Má idéia, meu querido. Um dia, inevitavelmente, o sistema não iria agüentar. A aniquilação nunca é um bom elemento na construção do companheirismo. Nem a aniquilação do outro (estou sempre certo), nem a de si mesmo (ela está sempre certa).
Embora boba, a piadinha acima funciona e está no livro Beber, Jogar, F@#er, publicado no Brasil pela Planeta, uma bem humorada contrapartida masculina ao best-seller Comer, Rezar, Amar, que conta a trajetória pessoal da americana Elizabeth Gilbert em busca de novos significados para sua vida. Já Beber, Jogar, F@#er conta a história de um homem recém divorciado em busca de uma nova vida, embora esse protagonista e suas aventuras sejam fictícias. E, por se tratar de ficção sob o ponto de vista masculino num mercado onde a maioria dos leitores são do sexo feminino, ficcionaram demais. Foram aparadas todas as arestas do protagonista que pudessem fazer as leitoras do livro chamá-lo de canalha e outros insultos. Criaram um cara tão legal, tão corretinho, mas tão gente boa, que é completamente inverossímil. Isso chateou a leitora aqui, que estava buscando uma visão de mundo do ponto de vista masculino sem enxertos de contos de fadas.
Então radicalizei. Como continuava interessada em ler aventuras vividas por homens, escolhi “Vida”, a autobiografia do lendário guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, publicada pela Globo Livros. Uau. Um porco espinho não apresentaria tantas “arestas” e ao protagonista podem ser enfileirados insultos dos mais diversos, com exceção de covarde ou preguiçoso. Como mulher, senti inveja desses caras nos tempos anteriores ao peso das drogas afundar completamente o barco. Inveja, em primeiro lugar, da liberdade enorme de quem vai pelo mundo com a cara e a coragem, sem o permanente temor de ser assediado ou agredido, o que ajuda muito a ser corajoso. E em segundo lugar, inveja da imensa camaradagem entre os rapazes. O grau de intimidade, o foco na música, a confiança mútua, mesmo rolando ciúmes e grosserias, coisa que os homens tiram de letra e nós, mulheres, definitivamente não.
E é aí que voltei ao Beber, Jogar, F@#er, para compreender plenamente o que o protagonista buscava bebendo, jogando e mesmo fazendo pouco uso do terceiro verbo do título. O que ele havia perdido durante seus anos de casado era justamente a camaradagem, o elo de ligação com outros homens por motivos não relacionados a trabalho ou família. E, por isso, ele havia perdido um bocado de sua alegria. Compartilhar atividades é, sabidamente, uma forte característica da formação da amizade masculina, enquanto que a feminina se dá pelo estabelecimento de um diálogo íntimo.
A paixão e o ideal de romance – o tal encontro de duas metades – tende a isolar os homens (e as mulheres também!) de seus pares e criar uma ilusão de que é possível encontrar plena realização apenas no convívio familiar e amoroso. Mas é possível que a camaradagem, as brincadeiras e a atitude de aceitação geradas pelo convívio com outros homens não possam ser substituídas pela convivência com uma mulher, por mais amorosa e companheira que ela seja. E, cá para nós, será que essa substituição é necessária? Essa fusão das duas metades beneficia alguém? Ou há vários rios de afeto em nossos peitos que correm bem felizes em leitos separados sem que um ameace o outro
Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-44491151355962693782012-10-29T09:35:00.001-07:002012-10-29T09:35:49.810-07:00Raiva na estradaDe manhã cedo, sinal fechado. O tempo exato para passar o batom, imagino. Volta e meia me acomete essa coisa de sair sem batom e só passá-lo quando estou no carro. Manias, vai saber. Remexo a bolsa apressadamente, agilidade, vamos lá, vai dar tempo. Pelo espelho retrovisor vejo que o motorista do veículo atrás do meu me observa enquanto passo o batom. Guardo-o, estou pronta para acelerar no momento exato em que o sinal troca para o verde. No mesmo momento exato em que o motorista de trás buzina. O menor espaço de tempo, dizem, é o aquele que cabe entre abrir o sinal e o cara do carro atrás do seu enfiar a mão na buzina.
Por que nosso amigo buzinou, se não houve atraso no movimento do meu carro? O que o perturbou? Podemos especular. Ele pode sofrer de Inveja do Batom. Não pode usá-lo, somente em momentos carnavalescos quando sai fantasiado de Vadinho (o marido farreador de Dona Flor e seus dois maridos, lembram?) e lá sei eu o que projeta no batom, de forma que sua visão o impaciente assim. Não é comigo a questão dele, é claro, é com o batom. Prováveis problemas de gênero à parte, creio que também acomete o motorista em questão a ansiedade, essa nossa companheira da velocidade da conexão, da aceleração neurótica característica do tempo em que vivemos.
Há algumas semanas li trechos de um estudo sobre “Road Rage”, no site da Polícia Rodoviária de Washington, nos EUA. A presença da agressividade na maneira como você dirige pode ser detectada em alguns hábitos que nos parecem inócuos, mas são muito comuns, tais como: condenar mentalmente ou ter pensamentos violentos em relação a outros motoristas; condenar verbalmente outros motoristas, mencionando-os a outros passageiros que estejam em seu veículo (falando sozinho também conta, não?); não obedecer a certas regras do trânsito porque você não concorda com elas, como usar o cinto de segurança. De acordo com o artigo, a partir daí é tudo ladeira abaixo, a raiva já tomou conta de você que em breve estará ultrapassando sinais vermelhos, “costurando” no trânsito e freiando desnecessariamente com o objetivo de convencer o motorista do carro de trás a manter distância do seu (Que coisa mais neurótica! Alguém realmente faz isso?).
Ah, o trânsito, esse desmascarador de nossas boas referências acerca de nós mesmos. Como é fácil criarmos ilusões positivas a nosso respeito, especialmente nas redes sociais. Quer saber um pouco mais sobre como uma pessoa se comporta em situação de stress? Sugiro deixar o Facebook de lado, sentar no banco do carona e largar ela a dirigir – não precisa ser numa metrópole, pode ser em Passo Fundo mesmo – no horário do rush. Para completar o quadro, dê um compromisso à pessoa, um local ao qual ela deve chegar em tantos minutos. Não necessariamente num horário impossível, mas um pouco apertado. Lá se vai a máscara de pessoa serena, equilibrada e tolerante. Não sou das piores, mas já vi isso acontecer comigo várias vezes e em mais de uma ocasião agradeci aos céus por não possuir porte de arma ou um bastão de baseball no banco traseiro. Dia desses cogitei instalar uma câmera no carro para me filmar, registrar aquilo que os outros e, principalmente, minha filha vê. A idéia é assistir depois de um dia agitado e ver se a vergonha faz com que me eduque na direção de ser uma pessoa realmente – como oposta a virtualmente – paciente e menos ansiosa.
Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-83825137824413254472012-10-29T09:34:00.000-07:002012-10-29T09:34:23.244-07:00A escolhaÉ triste ver o olhar embaçado dos meus cães a me mirar. Catarata, dizem os veterinários, tanto no macho quanto na fêmea. Ao completar onze anos, os dois têm lá seus achaques. Dores nas costas e inflamação no ouvido do macho, provável tumor linfático e descompasso cardíaco na fêmea. Tomam seus remédios e vez por outra arrastam o passo, parecem cansados da vida. A vontade de latir não perdem nunca, especialmente se o inimigo é o caminhão do lixo. Embora vivam soltos em casa, também não perdem a gana de escapulir portão a fora, tomar a rua, donos de seus focinhos.
Dia desses fugiram em companhia da mais nova, uma vira-latinha que nem completou dois anos, a vivacidade e disposição em pessoa. Ou melhor, em forma canina. Preocupada com a saúde dos dois velhuscos resolvi sair a catá-los, embora tenha certeza de que sabem voltar para casa, já que essa não é sua primeira escapulida. Encontrei-os num terreno baldio próximo, sobre o qual erguem-se morros e mais morros de terra bem vermelha. Pois bem, a subir e a descer esses morros estavam meus três cães, correndo parelhos, numa farra tremenda. Cavaram buracos, rolaram na terra, provocaram uns aos outros para início de nova correria, felizes da vida. Nenhum velho, nenhum doente ou cansado naquela cena. Fiquei ali olhando, pensativa.
Os cães amam ser livres e poder brincar, embora necessitem muitíssimo de proteção e pertencimento a uma matilha. São necessidades com as quais posso me identificar, talvez daí meu imenso apreço por eles. Por isso me questiono se, doente, cegueta, meio surda e desdentada, sem poder correr, colocar a cabeça para fora da janela do carro em movimento e latir para o lixeiro, eu quereria continuar viva. É claro que o cão não tem consciência de sua finitude e permanece vivo devido à insistência de nossos cuidados. Mesmo assim, me pergunto se estar vivo valeria a pena para ele e não só para mim, que postergaria sua morte para evitar meu sofrimento.
O Conselho Federal de Medicina publicou resolução visando, a meu ver, ampliar o debate e a consciência sobre como vivemos nossa morte. Em caso de doença terminal irreversível cabe ao paciente, enquanto estiver lúcido, decidir se opta por tratamentos para prolongamento da vida ou não. Esses tratamentos muitas vezes pioram a qualidade da vida que resta sem necessariamente prolongá-la por um período significativo. Jamais faria isso com meus cães. Gostaria que eles morressem cercados de carinho, de preferência em casa e sem dor. Não é isso que desejamos a quem amamos?
A essa escolha, seja pela continuidade do tratamento ou adesão a cuidados paliativos, é dado o nome de “testamento vital”. Naturalmente assumo a responsabilidade pelo testamento vital dos animais sob meus cuidados porque nenhum deles é o Stephen Hawking, para o qual o desconforto físico é superado pelo trabalho de um cérebro que possui consciência, planos para o futuro e, diga-se de passagem, se dedica a estudos geniais. Ao cientista brilhante acederíamos sem questionar sua vontade, fosse ela prolongamento doloroso da vida ou aceitação do curso natural da doença. Por que não faríamos o mesmo quanto às decisões dos que nos são próximos? A quem interessaria ver seu familiar vivo, sofrendo a exaustão, preso numa cama, isolado numa UTI, até o último suspiro? Tememos a ausência definitiva justamente porque não sabemos o que fazer com a presença passageira.
A escolha de uma vida boa e uma morte boa. Não é pedir demais, para meus cães, para mim e para os meus.
Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-79627954592564445112012-08-26T19:44:00.000-07:002012-08-26T19:44:43.847-07:00Sujando as unhas“Se você pintar as unhas dela de vermelho eu não pago” teria dito o marido à pobre manicure, encurralada em meio a uma briga que definitivamente não era sua. Ele só aceitava um rosinha pálido. A manicure me conta que isso não é incomum. Há maridos que proíbem suas esposas de pintar as unhas de vermelho e outros que não aceitam esmaltes de cores fortes. Estarrecida, encontro dificuldade de conseguir ordenar o pensamento diante de um relato desses.
Há, em primeiro lugar, a proibição. Uma mulher é proibida por um homem que se julga em condições de fazê-lo. Ela, aparentemente, parece crer que deve obedecê-lo. O que é que dá a um homem o direito de proibir um ser humano adulto, responsável e independente de fazer algo, alguém me explica? É um papel em cartório? Anelzinho no dedo? E o que é que faz uma mulher abdicar de seu status de adulta e aceitar ser tutelada por alguém que diz “eu te proíbo” embora esse alguém confie a ela a casa, os filhos e os cuidados para com ele? Um amigo acha que me preocupo demais, pois residem nesses gestos demonstrações de afeto. Eu vejo apenas demonstrações de poder e rastros de um afeto truncado, atemorizado, por isso tão passivo. E não, de jeito nenhum, não acho que isso é amor.
Em segundo lugar há a questão do domínio sobre o dinheiro, que é, em realidade, o que empodera um adulto a tutelar outro adulto igualmente livre. Por algum motivo um dos membros do casal parece compreender que a receita que possibilita a ambos viver não foi gerada por esforços conjuntos e sim, apenas por um. Se assim fosse, esse um seria o único dono do dinheiro e determinaria como ele deveria ser gasto. Esse é um comportamento típico dos “arrependidos”. Ele acha que se arrependeu de ter formado, de livre e espontânea vontade, uma família, ora, ora. E agora? Para quem é que ele devolve as crianças e a esposa, como é que volta no tempo para ser novamente senhor do seu tempo e do seu dinheiro? Ah, mas os arrependidos que conheço querem o almoço na mesa. As roupas limpas no armário. E os filhos bem criados de preferência sem que isso lhes cause incômodo. Afinal, gostam de aparecer com a família bonita – sinalizador de realização – em ocasiões sociais. E querem também escolher a cor dos esmaltes de suas mulheres propriedades, além da barra da saia. Na verdade ele não se arrependeu de nada, possivelmente não viveria fora do papel de vítima que é também algoz.
Em terceiro, mas de forma alguma menos importante lugar na organização do nosso pensamento, está a questão da COR do esmalte. O que será que leva esse nosso amigo a proibir justamente o vermelho, cor tão sensual, nas unhas da “SUA” mulher? Será que nas outras pode? Que fantasias estarão escondidas aí, que o impedem de vê-la como ser de desejo, capaz de referir à existência de sua sexualidade através das unhas? E há ainda os que surtam com as cores inusitadas e enfeites de toda a sorte, expressões da criatividade feminina. Como é que uma brincadeira – e leia-se brincadeira aqui como sublimação do sexo, uma coisa feliz – feminina causa tanto rebuliço nos sentimentos masculinos?
As mulheres se vestem, se maquiam, pintam as unhas para as outras mulheres, dizem por aí. Bem, se for esse o caso, o fato é que o que fazemos com a aparência dos nossos corpos mexe com os homens também. E nesse mexer entram sentimentos de posse saudáveis, como o desejo sexual, mas também de cerceamento e aniquilação. Sinal vermelho forte. Há que arranhar e cavoucar para sair de um buraco desses onde até nossas unhas são limpas das fantasias e quereres que nos fazem mulheres.
Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-76629219491075195092012-08-26T19:42:00.001-07:002012-08-26T19:42:32.544-07:00Quem voce é“Você não é o seu emprego. Você não é quanto dinheiro possui no banco. Você não é o carro que dirige. Você não é o conteúdo da sua carteira.” Essas frases são do filme cult Clube da Luta, onde a destruição do papel social desempenhado pelo protagonista é a base de sua completa libertação. É um filme niilista, sem dúvida, e esse é um de seus maiores atrativos. Viver de acordo com seus desejos mais profundos e não conforme as regras da sociedade, quem nunca quis? A destruição das crenças e valores associados às estruturas tradicionais traz em seu bojo a sedutora idéia de liberdade, de não ser mais definido pela família, emprego, religião ou papel dentro da sociedade, mas ser verdadeiramente quem se é. E quem é você?
Às vezes acho que passamos a vida procurando resposta para essa pergunta. Até certo ponto o conteúdo da carteira, a escolha do carro, do emprego ou família define quem somos nós. São reflexos – passíveis de interpretações únicas, pois que individuais – de um eu mais privado, mais profundo e normalmente tão pouco visitado que os tais reflexos acabam sendo tomados como o todo. É a tal da persona a que se referia Jung. Mas nos momentos de doença ou de solidão é muito raro que essas manifestações de adaptação ao mundo exterior sejam suficientes para apaziguar-nos e sentimos falta de nós mesmos. Sendo multifacetados, buscamos aqueles pedacinhos coloridos do nosso caleidoscópio que há muito tempo não vêm à luz, soterrados pelas exigências do cotidiano. Acontece que se você tirar um fragmento que seja de um caleidoscópio, ele muda, e seus reflexos não são mais os mesmos.
É para não nos esquecermos de nenhum pedacinho das facetas que nos compõem que a artista plástica Keri Smith (www.kerismith.com) insiste que voltemos a brincar. Infelizmente seus livros ainda não foram publicados em português, mas, para quem lê razoavelmente em inglês, vale a pena comprá-los. Através de pouca teoria e muitas atividades práticas essa canadense inspira seus leitores a diminuir o ritmo e a tentar recriar atividades que os absorviam e geravam prazer quando crianças. Passei uma tarde me ensaiando para brincar, pensando e não agindo, tal a montanha de pó que cobre esses fragmentos de mim mesma. Finalmente me encorajei e fiquei atônita ao reavaliar meus interesses. Quisera ter feito isso mais vezes na vida e fundamentalmente ao final da adolescência, temporada de testes vocacionais.
Pense em suas brincadeiras de infância. Do que é que você gostava de brincar? De mexer na terra? De explorar a natureza? Você desenhava ou pintava? Quando é que você se sentia mais livre e feliz? Lendo sozinho? Correndo num parque? Competindo de bicicleta com outras crianças? Sente-se no chão. Sirva chá para algumas bonecas. Organize uma partida de futebol de botões (improvise com botões de casaco). Não se importe em se sujar. Silencie seu crítico interior e permita que a atividade o envolva. Segundo a autora, brincar é o principal elemento na descoberta de quem você é. Ao fazê-lo e ao observar a si no ato de brincar, seus mais profundos desejos lhe são sutilmente revelados. E com eles possivelmente parte da resposta à pergunta, quem sou eu, mesmo?
Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-57121850293615763042012-07-30T18:48:00.001-07:002012-07-30T18:48:48.101-07:00Injeção na testaCada qual com suas aventuras. Pois aos quarenta e cinco anos achei que era hora de ceder ao ditado e tomar injeção na testa. Minto. Não foi bem ao ditado que cedi, uma vez que o procedimento não foi gratuito. Cedi a que, então? A vontade de manter uma aparência jovial. Mas não tenho bem certeza que seja uma boa idéia declarar tal fraqueza (dirão alguns) ou estratégia (admitirão outros) em público.
Do leque de mentiras insanas que nós mulheres contamos para manter nosso expediente darwiniano de seleção do macho mais bem qualificado, o desinteresse na manutenção da juventude é um dos hits. Pencas de atrizes e modelos famosas e lindíssimas afirmam nada fazer para manter sua aparência, que se deve a uma boa alimentação. Temos dificuldade de engolir essa por sabermos que já passaram a casa dos quarenta e a dos cinqüenta há muito tempo e, ainda assim, mantêm um frescor que parece inimaginável na amiga que compartilha exatamente da mesma idade da televisionável da vez, empertigada no sofá de seu programa de debates. Ou seja, tais mulheres são milagres da natureza, o tempo as afeta, mas apenas de forma graciosa. Bonito isso, como ficção.
Dentre as mulheres que escrevem e as quais admiro, várias alegam não possuir nenhum traço de vaidade, se dizem avessas a imposição da juventude como padrão de beleza – e com elas eu não poderia concordar com mais convicção. Contudo, ao vê-las ao vivo encontrei mulheres de pele bem cuidada, magras, maquiadas, penteadas, unhas feitas, vestidas com uma sensualidade elegante e aparentando ser mais jovens do que são. Sob hipótese nenhuma a figura de uma Amélia, aquela, sem a menor vaidade. Uma mulher de verdade. Surpreendi-me, mas não muito. Afinal, essa é a natureza das pessoas de verdade, especialmente das que se expõem publicamente: querem ser apreciadas e, para as mulheres, o apreço pela beleza é especialmente caro.
Gostei de a médica ter dito que perderia a expressão “braba”, em mim, a do cenho permanentemente franzido. Para os míopes como eu, o que é interpretado como mau humor muitas vezes é só cansaço ou falta de lentes. Ocorre de olharmos para alguém numa reunião com cara de profunda irritação – cenho franzido, lábios cerrados – porque na verdade não estamos enxergando muito bem os traços faciais do nosso interlocutor. Agora, não mais. Ares de lago tranqüilo são comigo mesma. Permaneço não enxergando, mas não dá na vista. O que piora um pouco quando as pessoas reclamam que não as cumprimentei. Dificultou explicar que não as vi, mas, enfim, não se pode ter tudo.
Como ainda não estou na turma dos que parecem fugidos do Madame Tussauds, me agrada pensar que passei a participar de uma comunidade de gente de aspecto sereno, que intimamente apelidei de os zens do botox facial. Para fins de consumo externo é bem mais rápido do que atingir serenidade interior, admitam. Crescemos em números exponenciais, dentro e fora da TV. Muito em breve seremos incontáveis vovôs e vovós de feições plácidas e sorrisos de Mona Lisa, gente aparentemente muito equilibrada e confiável. Pode chegar para conversar. Só por favor, não se detenha no lampejo insano do olhar.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-52871868789019073712012-07-30T18:43:00.002-07:002012-07-30T18:43:43.847-07:00No banheiroBanheiro feminino de um grande shopping center na capital do estado. Devido ao horário, início de tarde, razoavelmente cheio. Esperando com minha filha a vez de usar um toalete, vou observando as mulheres que coabitam esse espaço conosco durante alguns (longos) minutos e ouvindo suas conversas. Passado pouco tempo me sinto melancólica e desejosa da existência obrigatória de banheiros só para crianças.
Duas moças de terninhos pretos bem cortados vão calçando seus stilettos também pretos, muito altos e elegantes, enquanto guardam suas sapatilhas e tênis em mochilinhas. Em seguida começam por retocar suas pesadas maquiagens com o apuro e a precisão de quem está habituada a fazê-lo com frequência. Na minha imaginação as vejo em seus respectivos ônibus (preconceito?), quase completamente montadas (arrumadas), a caminho do trabalho na loja de grifes na qual permanecerão provavelmente até o fechamento do shopping. Baixo os olhos para meus tênis do tipo Converse e rememoro as tantas vezes em que atendentes com aparência semelhante as dessas moças me avaliaram de cima a baixo já na entrada da loja deixando evidente em seus rostos e atitudes a conclusão de que provavelmente não valeria a pena gastar tempo comigo, no que se refere ao ganho de comissão. Estivesse no lugar delas, pensaria eu da mesma forma? Reconheço que provavelmente estão certas em sua avaliação sobre meus gastos.
No espelho seguinte há outras duas moças, adolescentes provavelmente, jogando o jogo do “meu cabelo está horrível”. Funciona mais ou menos assim: cada uma destrata as qualidades dos seus cabelos numa escalada sem fim, sem nunca admitir que, talvez, o cabelo não esteja tão feio assim e nem o da amiga. É quase um monólogo, só que a dois. Uma loira, cabelos até a cintura, uma morena, cabelos até o meio das costas. Lindos, na minha leiga opinião. Uma vez tendo os cabelos escovados, presos, soltos, arrumados com esmero e feroz desmoralização verbal, lá se vão elas porta a fora balançando as madeixas.
O jogo “meu cabelo está horrível” tem um concorrente muito forte, que é o “estou gorda” ou “preciso emagrecer”, ao qual se dedicam duas mulheres na fila a nossa frente e também algumas senhoras que ocupam os últimos espelhos ao final dessa área do toalete. Nesse tipo de ritual auto depreciativo geralmente não há consolo que seja aceito. Dicas de dietas, remédios e afins são bem vindos, mas a sugestão, inclusive utilizada por algumas das senhoras, de que você está bonita é recebida quase como um despropósito, por ouvidos moucos e olhares aprisionados ao espelho. Olhar para a interlocutora, somente via espelho.
No banheiro feminino a estética impera. E é uma estética feroz. Não há espaço para meios termos, para reflexões equilibradas, para aceitações amorosas da imagem refletida. A imagem de uma mulher que já passou por tanta coisa. Que tem tanto ainda por fazer. Vai ver que essa obsessão pela aparência se deve a estarmos no chamado templo do consumo e há que se sair do banheiro ansiando pelas melhorias que estão expostas em cada vitrine, coisas que ainda não possuímos, soluções para nossos egos maltratados. Cremes para os cabelos, cintas para as barrigas, atendentes que nos pressionam a aspirar à aparência de riqueza, está tudo lá. Basta comprar. E continuar comprando. Até encher de amorosidade (ou seria inveja que buscamos?) o vazio que acreditamos estar no olhar de quem nos vê, na verdade reflexo do nosso próprio olhar severo. Mas é mais provável que o limite do cartão de crédito estoure antes que tal vazio possa ser preenchido.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-46355530141618578772012-07-30T18:40:00.001-07:002012-07-30T18:40:14.506-07:00Um jantar ágapeVocê se senta à mesa para jantar com alguns conhecidos e outros nem tanto. A conversa rola amena, primeiramente sobre a refeição em si e, minutos depois da primeira garfada o assunto deriva para “Do que você se arrepende?”, continuando com “Quem você não pode perdoar?” e “De que você tem medo?”. A primeira vista parece ameaçador, mas não há o que temer. Todos ao redor daquela mesa estariam despidos do temor de revelar a si e também da curiosidade maníaca de ouvir o próximo apenas para denegri-lo, ainda que em pensamentos. Essa é a proposta de uma refeição ágape, imaginada pelo filósofo suíço radicado na Inglaterra – e permanente agent provocateur - Alain De Botton, no seu mais recente livro, Religião para ateus, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. E é o que eu chamaria de jantar inesquecível.
Divertido, surpreendente, perspicaz, mucho loco e impraticável (impraticável, mesmo?) são adjetivos que cabem ao livro, cuja idéia central é a de tomar emprestadas, para a sociedade laica, algumas das práticas das religiões organizadas. Nos países de língua inglesa o livro causou cisões e debates acalorados. Alguns ateus, para minha surpresa, o classificaram entre “ridículo” e “traidor”. Achei particularmente interessantes os malabarismos mentais do autor, um ateu declarado, no sentido de proporcionar encontros entre as pessoas que pudessem amenizar alguns males da sociedade secularizada, como o isolamento.
Ele está absolutamente correto em sua percepção de que nossa sociedade é centrada no culto ao sucesso profissional, o que faz com que as pessoas que dedicam sua vida a cuidar da família, dos filhos e, quando eles crescem, dos pais idosos, sejam vistas como perdedoras. Nessa categoria, se não estou equivocada, a presença feminina é de 99%. Não admira, diz o autor, que as pessoas abram mão de tudo para investir em suas carreiras profissionais. Não se trata, em muitos casos, apenas de assegurar o sustento para subsistir fisicamente, mas de assegurar o êxito afetivo através da atenção da qual necessitamos imensamente para subsistir emocionalmente.
Daí a idéia de uma refeição, de um encontro ágape (que significa amor, em grego, e foi o nome dado às primeiras reuniões de natureza eucarística), no qual as perguntas utilizadas para que as pessoas venham a se conhecer não sejam as costumeiras “O que você faz?” e “Onde seus filhos estudam?”, questionamentos que visam nos encaixar em determinada prateleira social, mas sim aqueles que possam revelar de nossa fragilidade e insanidade compartilhadas. Alguém não gostaria de compartilhar sua insanidade sem ser julgado? Uma vez revelados e acolhidos, os monstros que nos habitam diminuem de tamanho, podendo até virar bichinhos de estimação.
Num momento de empolgação estive até doidivando em realizar um jantar ao estilo ágape, aqui em casa. Mas pensei em dar uma aperfeiçoada na proposta do autor e, fiel aos pressupostos do meu herói Humphrey Bogart, oferecer tequila ou cachaça aos participantes, já na porta de entrada. Explico. Segundo Bogart a humanidade estaria algumas doses (de uísque, provavelmente) atrasada, ou seja, abaixo do nível desejado para que cada um vivesse bem consigo e com os outros. Então, duas doses de tequila logo na entrada do recinto possivelmente já garantiriam um jantar ao estilo ágape mesmo para o mais acanhado entre os convivas, não? Seria uma idéia para tentar arrancar a camisa de força da profissão. É que eu adoraria participar dessa versão adulta de Verdade ou Conseqüência, jogo da minha adolescência, só que sem a conseqüência e sem o julgamento de valor por parte dos pares. Mas temo que o pessoal nunca mais volte aqui em casa. Quem sabe pela tequila.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-89468901038845084512012-04-15T17:55:00.001-07:002012-04-15T17:59:24.015-07:00O preçoDe vez em quando, numa mesa de jantar, acontece de um casal fazer o levantamento de suas perdas e ganhos. Raramente esse balancete se refere à vida do casal como um todo, sendo usualmente começado por um dos indivíduos que, seja por que motivo for, bebida inclusa, resolve deitar os olhos sobre o passado e refletir sobre sua vida. Inevitavelmente a relação entra nessa contabilidade. Quando a dupla tem um relacionamento de muitos anos a rememoração das perdas passadas não raro começa com um queixume do tipo “não fiz tal coisa porque ele/ela não deixou” e só tende a aumentar, superando em muito os ganhos. Se o déficit for grande, o negócio, ou a noite pelo menos, pode terminar mal.<br />
<br />
Todo o relacionamento humano – o amoroso inclusive, para espanto de muitos – tem um custo embutido. Esse custo, sobre o qual geralmente não falamos em francas palavras a não ser em ruidosas ocasiões quando a relação corre o risco de se romper, vai acumulando e se modificado com o passar dos anos. Alguns itens saem da lista de débitos e passam a fazer parte da coluna de créditos, como aquela vez que deixei de fazer um voo de parapente com instrutor devido à insistência do marido. Depois vim a descobrir não apenas que o voo de parapente com instrutor é ilegal, mas também que são alarmantes as estatísticas de quedas em voos dessa natureza. Há, também, itens fazem o caminho inverso, quando descobrimos que talvez tenhamos partilhado de um desejo que nunca fora legitimamente nosso apenas para a manutenção do casal e que essa decisão nos custou afetivamente mais do que estaríamos dispostos a investir. <br />
<br />
Um dos valores mais altos e dos mais comuns a ser pago dentro de um casamento longevo é a permanência enquanto congelamento do sujeito numa determinada época. Algumas pessoas reagem muito mal a mudanças e surpresas e encaram qualquer alteração nos interesses e no comportamento do companheiro ou companheira como uma ameaça de perda. Como se o engessamento da previsibilidade não fosse matar o envolvimento amoroso de qualquer forma. É a teoria do pássaro na mão, ao invés de voando. Ainda que triste, silencioso, morto mesmo, o pássaro está preso entre os dedos, é uma propriedade. Já um pássaro voando é uma liberdade e a liberdade do outro nos remete a nossa mesma. Liberdade que talvez nem queiramos por não sabermos o que fazer com ela. Então, embora pareça paradoxal, um membro de um casal pode tolher as asas do outro para evitar fazer uso de suas próprias. Fecha-se um círculo de proibições, de sonhos e fantasias não realizados, de mesmices e rotinas que podem vir a ser estranguladoras quando a velhice se aproxima e a frustração acumulada nos torna mais amargos. <br />
<br />
É utópico um casal sentar e perguntar com franca gentileza se os custos do relacionamento não estão pesando demais para um ou outro? Aguentaríamos a sinceridade das respostas? Teríamos coragem de fazer o inventário dos nossos sonhos não realizados e contrapô-los aos ganhos que o convívio amoroso nos proporcionou? A mera ideia do arrolamento de perdas e ganhos arranha o ideal de amor romântico envergado por muitos no ocidente como uma espécie de burca emocional. Parece que nos inscrevemos num debate já em andamento: a burca, ao fim e ao cabo, protege ou limita?Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-26381225645307805892012-04-15T17:50:00.000-07:002012-04-15T17:50:24.217-07:00Tique, taqueEu costumava cantar “time, time, time, is on my side. Yes it is!” (O tempo está ao meu lado. Ele está sim!), refrão de uma música dos Rolling Stones. Eu era jovem e cantava com absoluta convicção. Essa certeza, contudo, foi se esvaindo por esses dedos que contam o passar dos anos, juntamente com outras tantas verdades absolutas da juventude. Por alguma razão, ao acumularem-se os anos cresce o número de incertezas. As convicções vão rareando e sobram apenas algumas poucas, essenciais, e que ainda assim volta e meia passam pelo escrutínio da dúvida. O que é bom, contém a egolatria e mantém a sanidade, principalmente em se tratando do tempo, um dos deuses mais lindos segundo o Caetano. Mas até o próprio Caetano – na música Oração ao Tempo – tenta entrar em acordo com ele, exemplificação da nossa dificuldade em fazê-lo. <br />
<br />
Acreditar ter o tempo sob seu comando é uma ilusão grandiloquente tola. Lutar contra o tempo, uma batalha perdida que deixa gosto amargo no corpo. Segundo Caetano o tempo é “compositor de destinos” e “tambor de todos os ritmos”, o que me leva a devanear sobre a necessidade de entregar-se ao tempo como faz um cão adormecido sobre o sofá em plena manhã de outono. Mas não somos cães e me dou conta que estarmos à mercê do tempo também não é uma verdade absoluta, porque nossos sentimentos parecem influenciar a forma como o vivenciamos, quase como se ele não fosse o perene e inalterável passar dos segundos, mas como se existissem vários tempos dentro de nós. Talvez seja minha relação com o tempo que não é normal. O tempo, há tempos eu acho, não me parece linear e paulatino, mas absurdamente acelerado e escorregadio, alternando essa velocidade incompreensível com momentos de tal imobilidade que chego a jurar que está se mexendo para trás, retornando, como se o Super-Homem tivesse feito a terra girar em sentido contrário, alterando sua rotação e, assim, o tempo. É, eu sei que isso não é possível, mas nos quadrinhos parecia uma ideia bacana.<br />
<br />
Possivelmente são os filhos, ou a vivência de crianças crescendo ao nosso redor, que nos fazem enxergar com mais clareza a passagem do tempo externo. No entanto, enquanto são pequenas as crianças podem passar de verdadeiros buracos negros que sugam as vinte quatro horas do dia, reduzindo-o para três ou quatro, a imobilizadores dos relógios, quando você está contando os minutos para liberar uma criança que está aos berros na cadeirinha de pensar. (Provavelmente a criança, como os adultos, não pensa quando está aos berros. Não sou a melhor consultora sobre como se usa a cadeirinha de pensar.) Os hospitais também são lugares excepcionais para compreendermos o gerenciamento escorregadio do tempo e não apenas quando estamos internados. A perplexidade diante de uma mudança brusca da nossa vida em questão de minutos nas emergências e o estancamento absurdo do relógio que consultamos compulsivamente na sala de espera dos centros cirúrgicos nos revela da desarmonia entre o tempo interior e o exterior e da insubmissão de ambos a nossa vontade.<br />
<br />
Enquanto releio esse texto fico sabendo da morte do Millôr Fernandes, um pensador essencial na minha juventude. Há poucos dias morreu um humorista presente na minha infância, Chico Anysio. O tempo interno inveja o cão dormindo sobre o sofá. Atrás do sofá, emoldurado na parede, o tempo externo golpeia baixinho meu pesar: tique, taque.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-34417170817683566452012-03-14T12:36:00.000-07:002012-03-14T12:36:53.927-07:00MornoAcho que foi o Millôr quem primeiro disse algo na linha de “se sair por aí sorrindo, não se admire de te jogarem pedras”. Ele tem razão. Certa discrição se impõe no caso da felicidade, como no da infelicidade, quando se trata de demonstrações públicas. Aparentemente a convivência em sociedade exige um meio termo na manifestação de sentimentos. Alegrias e tristezas sinceras podem afastar as pessoas de você porque evocam nelas sentimentos que possivelmente não têm como suportar. Parece estranho? Pense bem.<br />
<br />
Com certeza você já viveu situações nas quais foi preciso tomar cuidado com sua cara de felicidade para não magoar os outros. Um dos motivos pelos quais as pessoas não aturam por muito tempo a amiga radiante é que ela não rende conversa, não rende uma boa fofoca da qual se possa sair com um sentimento de superioridade. É preciso um marido do qual se possa falar mal, duma atitude inadequada, de uma roupa inapropriada, mas a tal Fulana, sempre numa boa, faz você até se sentir meio culpada de falar mal dela. Fazer o que? O assunto acabaria tendo de derivar para a política, para a economia, para leituras, ou filmes e música ou outros acontecimentos da vida pessoal das participantes da roda de conversa e isso não necessariamente cria o profundo elo de ligação que vem de você falar mal de alguém, em grupo, e ir embora com aquela certeza de que todas ali são melhores do que a que está ausente, aquela de quem se fala, a que tem problemas piores do que os seus, enfim. Sartre disse que “o inferno são os outros”, mas, nessas situações, o céu é o outro no inferno. O outro está mal, logo, não estou tão mal assim. Nem tão gorda. Nem tão mal amada. Tenho meus pares e eles me reforçam. Pelo menos até que eu saia da sala.<br />
<br />
Se for assim, a tristeza dos outros deveria ser muito bem vinda, pois nos proporcionaria a massagem no ego que a fofoca pode criar. Mas fofocar sobre uma pessoa que destemida e sinceramente lhe contou suas tristezas, a princípio também não rende muita conversa, mas certo constrangimento coletivo. Melhor diagnosticar rapidamente o amigo como desequilibrado e listar os erros que ele cometeu para estar naquela situação ou gargantear sobre como você resolveria os problemas que não lhe afligem. Somos experts, homens e mulheres, em resolver problemas que não os nossos. <br />
<br />
O falecido psicanalista José Ângelo Gaiarsa certa vez escreveu que “o medo de ser falado, fofocado, é com certeza o mais frequente motivo de supressão de nossos pensamentos e desejos pessoais”. Acontece que a fofoca não cerceia apenas para fora de nós mesmos, mas também e fundamentalmente para dentro. Assim, na esperança de fazermos amigos e influenciarmos pessoas – se me perdoam a pequena ironia com o nome do famoso best-seller – muitas vezes nos comportamos de forma amena, civilizada, sem lágrimas ou gargalhadas, uma máscara de simpatia e equilíbrio. Aos íntimos, se tivermos sorte de os termos verdadeiramente, reservamos nossas pequenas e grandes loucuras.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-41986506235818068102012-03-12T12:56:00.000-07:002012-03-12T12:56:07.101-07:00MiragemByron, a quem secretamente apelidei Lord Byron, tem vinte e dois anos de idade e é Chefe de Trapézio num hotel da Bahia pertencente a uma grande rede de resorts. Parte das responsabilidades de chefe inclui dançar e representar todas as noites nos pequenos shows que o Village obrigatoriamente deve oferecer, além de zelar pela segurança de adultos e crianças que buscam aulas de trapézio e afins. Há dias observo o infatigável jovem australiano formado em Circo, Teatro e Dança desempenhar de forma competente e madura tudo o que lhe é solicitado, mesmo estando cansado. Trabalhando há três anos nessa rede internacional, ele já passou por três países, ou seja, três villages, e sua meta é essa, conhecer o mundo trabalhando enquanto jovem. Curiosa, não pude deixar de lhe perguntar como pode ser tão independente e responsável com apenas vinte e dois anos. <br />
<br />
Caçula numa família de classe média com três filhos homens, Byron começou no trapézio aos cinco anos de idade. Aos quatorze já era instrutor. Durante o último ano do equivalente ao nosso Ensino Médio percebeu que realmente desejava trabalhar em circo e conhecer muitos países. Sua primeira providência foi conseguir um emprego nos Estados Unidos e ir para lá, ao completar dezoito anos. Um ano depois voltou e ingressou na empresa onde hoje trabalha, tendo galgado o posto de Chefe de Trapézio e sendo um dos homens de confiança de seu superior imediato, o atual Chefe do Village, um canadense na casa dos quarenta anos. <br />
<br />
Durante nossa conversa comento que muitos de nós, brasileiros, talvez nos apeguemos demais aos nossos filhos roubando-lhes a construção da independência, embora sejamos amorosos e bem intencionados. Ele parece concordar e afirma que os pais o ensinaram a desempenhar quaisquer atividades com seriedade e apóiam suas decisões profissionais. Está claro que realizaram um bom trabalho. Brinco sobre a situação da mãe, única mulher numa casa cheia de homens. Ele então me conta que os pais, ambos professores do Ensino Superior, saíam para trabalhar deixando-o ao encargo dos irmãos mais velhos que não raro lhe agrediam fisicamente por se recusar a obedecê-los. Acha natural e culpa a si mesmo por ter sido “irritante” quando pequeno. Reflito, silenciosamente, sobre a influência das experiências que levaram esse australiano de olhos azuis a querer provar-se forte, inclusive fisicamente. <br />
<br />
Deixo minha filha na fila da corda bamba e saio caminhando na corda bamba dos pensamentos de mãe: será que é apenas na adversidade que o ser humano cresce? Pois se assim for, a amorosidade pode ser vista como impeditiva. Os que acreditam que “antigamente é que era bom” sem dúvida afirmarão que sim, que atualmente as crianças crescem cercadas de cuidados excessivos e que nem se pode dar-lhes umas boas palmadas para corrigi-las. Estamos criando uma geração de incapazes. É isso, então. Simples. Basta fazer da casa dos pais um ambiente desagradável o suficiente para que a criança ou o adolescente não queira permanecer ali de jeito nenhum e ele será obrigado a amadurecer. Caberia ajustar os níveis de maus tratos para evitar que, ao invés de ajudar no crescimento, se criasse um adulto alquebrado e incapacitado emocionalmente. Fácil, não?<br />
<br />
Ou, talvez, em algum oásis escondido por um véu de enganos, bem no meio do caminho entre o apego infantilizador e o apelo da surra, haja um espaço para a criação afetuosa dos filhos num ambiente familiar seguro e respeitoso de suas individualidades que os tornem, oxalá, maduros e independentes. Miragem? O tempo no-lo dirá.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-48105946132956834712012-03-07T10:59:00.000-08:002012-03-07T10:59:43.667-08:00BiasA pedidos, volto a refletir sobre os jovens e o exercício da sexualidade, dessa vez pensando mais sobre os meninos. Há duas semanas elenquei algumas ideias para conversarmos com nossas filhas, primas, sobrinhas e mesmo amigas na esperança de que nunca venhamos a ser vítimas de abusos sexuais no contexto da balada, onde rola muita bebida, muita droga e muita ansiedade de provar e de se provar. <br />
<br />
Sobre a ansiedade na balada, de provar, de experimentar coisas novas, de transcender os limites da regrada vida diurna, de aventurar-se, bem, isso faz parte do esperado pela maioria dos jovens que saem à noite. Se o objetivo fosse ficar confortável, aninhado com um computador ou livro no colo ou em frente a TV, eles ficariam em casa. Mas isso não significa que o baladeiro vá se atirar do alto de um despenhadeiro, metafórica ou literalmente, a não ser nos casos em que a capacidade de preservação de si mesmo esteja fraquejando. <br />
<br />
Um dos fatores que complica a equação da experimentação versus autopreservação é a ansiedade de se provar. E nisso, seja por questões culturais, seja pela testosterona correndo nas veias (ou um mix dos dois) os meninos ainda são campeões, embora as meninas pareçam estar cada vez mais ansiosas de se provarem sexualmente desejáveis e ativas. Então, possivelmente a coisa mais importante que eu teria a dizer para um garoto sexualmente ativo e emocionalmente minimamente saudável – ou seja, que não tenha sido agredido no ambiente familiar a ponto de nutrir ódio pelas mulheres – que vai para a balada é: desista de se comparar. <br />
<br />
Se a intelectual norte-americana Camille Paglia chegasse a ler esse conselho ela com certeza diria que estou pedindo demais e que se essa ideia fosse levada a sério a roda ainda não teria sido inventada. Compreendo. A competição é fundamental para a ampla maioria dos meninos e inclusive forja laços de amizade, além de ser uma força que faz o mundo girar. No entanto, a roda já foi inventada e o índice de mortalidade dos jovens brasileiros do sexo masculino por causas externas é quatro vezes maior do que o feminino, segundo dados do IBGE, e esse número só tem crescido. Por isso é fundamental educarmos jovens que sejam suficientemente seguros de si a ponto de evitar ciladas onde precisem se machucar e agredir a outros com o objetivo de se provar para os demais do seu grupo. <br />
<br />
Todos os excessos, de bebida, de velocidade, de uso de drogas, de sexo sem camisinha e até mesmo sem consentimento, em sua maioria são, salvo casos de psicopatia, resultado de insegurança. Instantâneos de um menino tentando se provar homem, nem que para isso ele renuncie a hombridade e decaia ao nível da selvageria. Os meninos anseiam por atenção. Imaginem, então, a volubilidade de quem sai ao mundo apenas com a meta de vencer, sem parâmetros que não os externos. <br />
<br />
Por serem do sexo masculino, e por possuirmos uma visão romantizada das capacidades inatas dos homens, muitas vezes esperamos que os meninos compreendam a vida sozinhos e pouco conversamos com eles sobre quais são as premissas básicas do respeito por si e pelos outros. Tampouco abundam diálogos sobre sexualidade para além do discurso sobre o uso da camisinha como, por exemplo, perceber se uma relação é saudável ou não. Ou sobre o direito de não se sentir constrangido a ter uma relação sexual apenas por que alguém está dando mole ou para se provar aos demais. Há um perigoso bias quando se trata de educar os meninos sobre comportamentos que a família julga adequados e sobre o que se espera dele como jovem sexualmente ativo. <br />
<br />
Raramente explicitamos aos nossos filhos o que compreendemos como o comportamento de um homem honrado na sua vida privada, apenas no campo do trabalho. Depois nos assustamos ao descobrirmos que um profissional bem sucedido e no qual confiamos é um desequilibrado no ambiente familiar. Será que acreditamos que apenas às meninas a construção desses parâmetros se faz necessária?Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-29951628529296540402012-01-22T15:51:00.000-08:002012-01-22T15:51:08.791-08:00BBBNão assisto o BBB, de jeito nenhum, propositadamente. Minha alienação é customizada e só assisto o que me interessa na televisão, como na internet. Acho maravilhoso viver numa época em que pagando o (alto) preço, seja possível selecionar seu próprio escapismo dentre um amplo leque de opções, uma vez que abundam programas nem sempre construtivos. <br />
<br />
Contudo, nessa semana pareceu impossível escapar da "onipresença" do BBB, mesmo sem assisti-lo. No momento em que escrevo ainda não está confirmado nem negado o possível estupro de uma das participantes. É aterrador. As circunstâncias que envolvem o suposto estupro o tornam particularmente repulsivo uma vez que, embora as imagens não sejam explícitas, tenha sido televisionado ao vivo em rede nacional após uma festa na qual ambos, vítima e perpetrador, consumiram grandes quantidades de álcool. A existência de uma política de parte da emissora que promove o show em questão no sentido de incentivar o consumo excessivo de álcool dentre os participantes para que esse sirva de combustível na busca por maior audiência, caso verdadeira, trafega entre o abominável e a ilegalidade. <br />
<br />
Diante do horror, opto aqui por fazer a Pollyanna e jogar o “jogo do contente”, ou seja, tentar vislumbrar algo de positivo em meio à desolação. As redes sociais estão saturadas de comentários sobre o episódio e torço, freneticamente, para que se teça um debate não apenas sobre a veracidade e culpabilidade desse possível estupro, mas sobre a necessidade de se evitar futuros abusos. Arrisco listar algumas idéias.<br />
<br />
Desejo ardentemente que ao observarmos o ocorrido nos lembremos de nossas filhas, adolescentes e jovens adultas, que precisam ser empoderadas para estabelecerem seu lugar no mundo e, portanto, também o papel de protagonistas de sua vida sexual. Às nossas filhas precisamos alertar, com clareza, do perigo de se embarcar numa aventura sexual depois da ingestão de álcool. A elas precisamos ensinar sobre o enorme risco que é a perda, promovida pelo álcool, do verdadeiro protagonismo. A liberdade que a racionalidade assegura termina por ser substituída por um falso protagonismo, que é apenas a ausência de inibições, acompanhada da incapacidade de pensar de maneira auto protetora com clareza. E pensar em sua própria proteção é fundamental para uma mulher que vai para a balada.<br />
<br />
As jovens precisam saber que têm a liberdade de pegar um táxi de confiança na madrugada, cujo telefone esteja armazenado em seu celular, ou a liberdade de ligar para os pais, mas que, sob hipótese alguma, devem pegar carona de estranhos ou de conhecidos que beberam. Elas precisam ter condições de pagar sua própria bebida (ou sustância recreativa da qual pretendem fazer uso?) e não aceitar gentilezas de terceiros. E precisam, ainda, saber que tem todo o direito de se vestir e de se portar como quiserem e mesmo de ficar bêbadas se assim o desejarem, sem que isso implique num convite a serem abusadas sexualmente ou de outra forma. Mas, e isso é fundamental que elas saibam, esse mundo é injusto e há comportamentos que as colocam em situações de risco das quais profundas escaras podem surgir, acompanhadas, infelizmente ainda, de pouca compreensão por parte de certos setores da sociedade. <br />
<br />
Por último, mas não menos importante, todas nós mulheres, independentemente da idade, precisamos compreender completa, total e irrefutavelmente que sexo bom, benéfico e bonito, é sexo consensual, esse sim, um BBB. <br />
<br />
Sobre a educação dos meninos, fica para uma outra coluna, por questão de espaço.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-38461089886053356682012-01-09T13:26:00.000-08:002012-01-09T13:26:43.984-08:00Contrariando os princípiosO Millôr Fernandes, que sabe muito de quase todas as coisas, é quem disse que se seus princípios são rígidos e inabaláveis, você, pessoalmente, já não precisa ser tanto. Assino embaixo. Contrario meus princípios com frequência a guisa de viver bem. Atualmente cheguei ao cúmulo da contradição, tendo adotado um programa de exercícios físicos. <br />
<br />
A questão é que arrumei um probleminha na coluna que gerou imensa dor. E a dor, tal como a paixão, tem o poder de extrair de nós juras sinceras e profundas do tipo Scarlet O’Hara no alto de um morro vendo sua Tara (a fazenda!) devastada. Mas a gente não tem a mesma “tara” que a Scarlet O’Hara e normalmente as juras de paixão passam quando o fogo começa a arrefecer. Contudo é possível que a jura realizada quando você está chorando de dor – ou de fome e de raiva, no caso da nossa aguerrida personagem – tenha um efeito mais duradouro. De onde os exercícios. <br />
<br />
Sou daquelas pessoas que não confessam, mas para as quais se exercitar é contrariar um princípio pessoal importante. É um princípio que se origina de certa onipotência, a de que damos conta de tudo, nada de realmente grave vai acontecer conosco. Como é comum em casos de onipotência, rega o frondoso tronco do nosso princípio inabalável (o de não se exercitar, no caso, embora outros possam ocupar esse lugar) uma água que atende pelo nome de Covardia, que nasce lá nas profundezas dos nossos medos. Medo de nos defrontarmos com as dificuldades, medo de confrontarmos nossa finitude (não, não vamos dar conta de tudo e a morte pode estar mais próxima do que fingimos), medo inclusive (pasmem!) de ficarmos mais bonitas nesse processo, diferindo daquilo que talvez esperassem de nós ou daquilo do qual nos julgamos merecedoras.<br />
<br />
Parece que há um lugar chamado Conforto, onde habitamos. É um lugar amplo. Uma zona, chamam. Esse lugar pode inclusive ser bastante desconfortável, mas é nosso, é conhecido, as frustrações nos são familiares, por isso o nome de conforto. Quem é que em sã consciência vai sair das frustrações que lhe são conhecidas para ir buscar outras, fora da zona de conforto? Só quando ousamos aceitar que não há outra saída, pois permanecer no Conforto é perecer.<br />
<br />
Eu não quero morrer cedo. Não sei se um dia vou achar que já não é mais tão cedo. Mas mais do que não morrer cedo, não quero que minha terceira idade – que está ali na esquina – seja vivida como um fardo de dor, para mim e para os que me cercam. Então contrario os princípios que me regem há mais de quarenta anos e, resignada como quem toma um remédio, faço meus exercícios. Não tenho sentido dor. Talvez seja possível rearranjar os móveis da zona de conforto para que caiba mais conforto e menos frustração, com um pouquinho de coragem para contrariar a si mesma.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-74370455159424940652011-12-24T13:36:00.000-08:002011-12-24T13:36:45.461-08:00A merry little ChristmasOs dois Natais mais memoráveis que já passei como adulta não envolveram grandes festejos até porque, para ser sincera, o número de participantes era bem reduzido. No primeiro só havia eu. Eu, um copo de vinho, uma comida de minha preferência e música e televisão do meu agrado. Eu e uma enorme sensação de liberdade. Eu e um aconchego que construí para mim mesma, uma paz interior, a sensação de que estava no lugar certo, num momento bom, fazendo a coisa certa para mim. <br />
<br />
No segundo Natal já éramos cinco. Dois humanos adultos, uma trochinha em meus braços, também conhecida como bebê, e dois cachorros. Uma família recém formada, sentada na sacada, no silêncio da noite (embora sempre haja a televisão ao fundo), observando a cidade. Mais uma vez senti uma grande paz interior, daquele tipo que te diz que você está fazendo a coisa certa e te conecta com o presente, eliminando mágoas do passado e anseios futuros. Não dura muitíssimo esse momento, essa conexão com você mesma e com o presente, logo o cérebro vagueia. Mas a sensação de felicidade permanece de tal forma que é sempre rememorada.<br />
<br />
Há uma música em inglês, cantada pela Judy Garland em um musical dos anos quarenta e subsequentemente gravada por Frank Sinatra e muitos outros ótimos intérpretes chamada Have yourself a merry little Christmas, algo que poderíamos traduzir muito livremente como Tenha um feliz e pequeno Natal para você. A letra diz: tenha um feliz e pequeno Natal; Permita que seu coração esteja leve; Ano que vem todos os nossos problemas terão desaparecido. Trata-se de um pequeno e propositado autoengano, da escolha por um momento de felicidade que independe de estarmos rodeados de muitos amigos e familiares ou não, de estarmos bem vestidos em uma festa chiquérrima, de pijama em casa ou ainda no avião ou na estrada, sonhando com a chegada. Independe porque é uma construção interna e é no interior da gente que a paz pode ser verdadeiramente construída, antes de alçar asas para o mundo exterior. <br />
<br />
Tendo crescido numa família numerosa, onde sempre nos reuníamos, enfeitávamos o pinheiro de Natal (alguém mais colocava algodão nas pontas dos galhos para imitar neve?) e fazíamos ceia, pode parecer estranho que me agrade um pequeno e feliz Natal, mas é esse que gostaria de desejar a você, leitor. Se você comunga de uma fé, desejo que em algum momento do seu Natal você possa encontrar-se sozinho com ela e que isso lhe traga grande harmonia. Se você não comunga de fé alguma, desejo que em algum momento do seu Natal você possa encontrar-se sozinho consigo e que isso lhe traga grande paz interior.<br />
<br />
E desejo que todos tenham um grande, inusitado, tradicional, farto, simples, agitado, tranquilo, acompanhado ou só, pequeno e feliz Natal, que possa inclusive iluminar o ano que virá.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-25339994151572442292011-12-07T17:21:00.000-08:002011-12-07T17:21:01.284-08:00Propaganda EnganosaO casal vai caminhando na minha frente num local superlotado que impõe a proximidade física. E eu ouço a conversa deles. Não é um grande diálogo, pois a moça fala muito e o rapaz silencia. Ela está falando muito mal de uma Fulana que, pelo que compreendi, tem uma vida sexual mais diversificada e, possivelmente, mais divertida que a dela. O ponto de vista da moça, uma jovem bonita, é incrivelmente machista e coroado por bordões desse tipo de discurso, como o de chamar uma mulher cuja vida sexual não se encaixa nos padrões de moralidade de quem a julga de “galinha”, para apresentar um exemplo ameno dentre os muito utilizados.<br />
<br />
O que a moça estava fazendo naquele discurso/fofoca pormenorizado contra a Fulana era apresentar um propaganda, no meu entender bem ruinzinha, da sua pessoa para seu companheiro. Algo na linha do “eu não sou como a Fulana, lhe sou fiel e não acharás outra como eu”. De doer. Que tristeza uma mulher recorrer ao machismo para procurar ressaltar seus atributos a um homem. Que pobreza atacar a liberdade sexual que as mulheres tão duramente conseguiram conquistar na esperança de manter um companheiro junto a si. <br />
<br />
Darwin explica, sem dúvida, esse comportamento que nos é tão natural: competir contra as demais mulheres. Nossas antepassadas tinham de escolher o homem mais apto a manter a prole ou não sobreviveriam nas cavernas e nas sociedades pós-cavernas. A contrapartida era garantir ao homem a paternidade dessa prole, ou ele não teria razão para sustentá-la. “Lhe sou fiel”, portanto, era condição fundamental de sobrevivência.<br />
<br />
Hoje, no entanto, agredir outras mulheres e recriminar seu comportamento numa tentativa patética de se apresentar como a verdadeira “mulher de César” – aquela a qual não basta ser honesta, é preciso parecer honesta – é, no mínimo, uma técnica ultrapassada e prejudicial de “venda de um produto”, se me permitem a comparação. Talvez até funcione junto a muitos homens, mas é ruim para todas nós, mulheres. <br />
<br />
Por que, ao invés de desancarmos a concorrência, não colocamos nossos esforços em nós mesmas? Não é melhor poder dizer “oi, sou bacana, bonita, inteligente, boa de cama, culta, leal (qualidade essencial que as pessoas reduzem a ‘monogâmica’) e não acharás outra como eu”, do que “as outras mulheres não prestam”? Assim poderíamos produzir um maior respeito de nossa parte para com as demais mulheres, quer sejam elas virgens, prostitutas, libertárias, monogâmicas, partidárias do relacionamento aberto, bissexuais, homossexuais, heterossexuais, jovens, velhas.<br />
<br />
Vivemos numa sociedade altamente agressiva com as mulheres. Essa agressividade certamente diminuiria se nós não a incentivássemos através do preconceito. Todas as mulheres que estiverem vivenciando sua sexualidade consensualmente merecem nosso respeito. Discordância? Natural. Ataque? Nem pensar. A vida muda muito e mudamos com ela. Bobagem atirar a primeira pedra ou dizer “dessa água não beberei”. Recriminamos os homens quando assumem comportamentos que os aproximam dos primatas. Não sejamos nós, mulheres, o elo mais frágil da corrente, corresponsáveis por estimulá-los.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-32737219595445548462011-11-30T09:58:00.000-08:002011-11-30T09:58:29.793-08:00Raiva de mãeA raiva que ela tem guardada dentro de si é enorme. Um Aconcágua de mágoas. De memórias mesquinhas, de desaforos não ditos, de raiva contra o destino que não obedeceu seus ditames um tanto quanto infantis, de ódio do ex-marido e do rumo que a vida do filho tomou, penalizando a sua própria. Então ela resolve escrever suas dores em cartas dirigidas ao ex-marido, missivas repletas de dor e muita, muita raiva. Embora esteja longe do desfecho da história, o que mais me mobiliza na leitura de Precisamos Falar Sobre o Kevin (Lionel Shriver, editora Intrínseca) é a demolição metódica do passado familiar realizado pela personagem mãe, a autora da correspondência, regada a muita raiva e profunda incapacidade de apego ao filho, um estranho saído, ironicamente, de suas entranhas. Não chega a ser um caso raro. <br />
<br />
“Não está nada bem, essa mãe”, nos dizemos. “Sem dúvida é louca”, é a afirmação mais frequente nos fóruns de debate sobre o livro, possivelmente por ser a que mais traz alívio imediato. Trata-se de uma leitura perturbadora precisamente por provocar clarões de empatia em qualquer mãe que venha a lê-la com honestidade. Por isso acorremos em nos diferenciar dessa mãe monstruosa, desequilibrada, raivosa, para garantirmos a nós mesmas que jamais seriamos assim. Mas temo que nos iludamos com muito fervor. A raiva não é um sentimento ausente no exercício da maternidade. A frustração, a mágoa, o entorpecimento que faz esvanecer os gestos de carinho são mais frequentes do que gostaríamos de admitir, mesmo em mães de classe média que, aparentemente, não teriam maiores preocupações como a da garantia da sobrevivência.<br />
<br />
O isolamento e a frustração decorrentes da maternidade, e a demanda permanente de atenção que raramente é dispensada a si própria (elevada ao cubo quando a mulher trabalha fora de casa) podem ser devastadoras para a mulher. E aquela mãe sorridente na saída da escola do filho, carregando mochilas, sacolas de supermercado e o mundo nos ombros pode estar prestes a explodir. E pode inclusive não explodir, mas certamente acabará em lágrimas. A raiva é, muitas vezes, a antessala da depressão. <br />
<br />
Para tentarmos compreender um sentimento tão forte como a raiva, podemos atribuir aos outros, aos que nos cercam, problemas que estão no cerne de quem nós realmente somos, das escolhas de vida que fizemos e das quais podemos estar arrependidas. Nessas situações diálogo é um bote salva vidas. E diálogo é um luxo ao qual muitas mães não tem acesso. Qual é a saída? Escrever, como faz a mãe do livro que estou lendo, é uma possibilidade. Talvez um blog com pseudônimo seja uma porta para estabelecer um diálogo com outras pessoas em situação semelhante. Há quem sugira acalmar a mente com técnicas meditativas. É uma boa ideia. Até kickboxing é uma ideia mais produtiva do que destilar a raiva sobre os familiares. E, em tendo chance, um bom terapeuta fará toda a diferença na vida não só da mãe, mas de todos os que dependem emocionalmente dela. O melhor presente que se pode dar aos filhos, creio.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-44205011223212863632011-10-31T12:06:00.000-07:002011-10-31T12:06:09.523-07:00AconselhamentoLi no blog de um pai o conselho para que não se deixasse passar a oportunidade de conversar com os filhos, diariamente. Esse pai preconizava que, nem que fosse antes de dormir, os pais sentassem à beira da cama e conversassem com os filhos sobre as coisas importantes da vida, aconselhando-os. Legal. Nem sempre possível de colocar em prática, mas bem pertinente o conselho. Se rolar umas quatro vezes por semana, a conversa essa, a beira da cama, já é uma enorme aproximação entre pais e filhos que muitas vezes são pessoas que moram na mesma casa, mas não conseguem estabelecer um diálogo. Mas, embora concordando em tese com esse pai, algo me incomodou.<br />
<br />
Início dos anos oitenta. Estou sentada sozinha no chão do quarto que divido com minhas irmãs, manuseando meus poucos e preciosos LPs. A porta de repente se abre de chofre e meu pai me observa com uma feição meio esquisita. Permanece alguns segundos em silêncio e me pergunta o que estou fazendo. – Nada, respondo. É claro que estou fazendo algo importante para uma adolescente, mas essa é a resposta padrão, a que oferece um salvo conduto meio precário, uma vez que estabelecido que você não está fazendo alguma coisa uma tarefa lhe será imediatamente impingida, como secar a louça ou estudar. Ainda assim, é uma resposta que lhe resguarda de ter que começar uma conversa. É boa o bastante. <br />
<br />
Mas ele não vai embora, nem me manda fazer algo “de útil”. Observo seu rosto contorcido quando me pergunta já meio exasperado: “você precisa de alguma coisa?!” Ih, definitivamente essa conversa vai render em chateação, então respondo “não”, rapidamente. Agora estou em território minado. Então, num esforço inesperado meu pai atropela uma frase mais ou menos como “Bom, se você precisar falar alguma coisa, pode falar!” e se vai. Enquanto tento compreender o que diabos foi aquilo, decido que o curso de ação mais seguro é ir assistir TV na sala com a família. Nada como adotar a atitude dos demais quando você quer passar despercebida. <br />
<br />
Hoje, adulta, é com um misto de carinho e dó que reconheço a angústia de meu pai tentando estabelecer um diálogo com a filha adolescente, se lançando em uma tarefa da qual ele desconhecia as características mais básicas, por nunca tê-las vivenciado. Tendo ficado órfão ainda criança, conhecia muito da vida e sempre foi farto em conselhos, afinal, tinha muito o que contar. Mas não necessariamente abundava em espaço de escuta. <br />
<br />
E é isso que me incomoda no aconselhamento à beira da cama preconizado pelo bom pai – como o meu – do blog lido a partir de uma postagem no Twitter. Por isso, ouso um pequeno adendo. Aos pais, nessa conversa, caberia mais ouvir do que falar e reagir com brandura aos pensamentos e acontecimentos apresentados que lhe fossem inesperados e incômodos. Talvez então o aconselhamento pudesse florescer no pantanoso terreno do crescimento, no qual a admoestação dificilmente vinga.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-13923933117223525862011-10-02T15:51:00.000-07:002011-10-02T15:51:18.848-07:00Uma porta para dentroAnte-sala de consultório médico. Depois de certa idade você começa a passar mais tempo nesse tipo de lugar e consequentemente a valorizar mais o material de leitura lá disponibilizado. Quando a angústia é grande, as revistas de conteúdo leve são mais procuradas do que, digamos, aquelas que se destinam a fazer propagandas de remédios para doenças que você teme apresentando imagens de idosos felizes. Ou das que tentam convencer você a fazer sexo selvagem por meio de questionário sobre suas preferências. Perdão, mas não tem clima. Eu realmente apreciaria que os médicos pensassem mais no tipo de público que atendem e buscassem materiais de leitura adequados a esses clientes. Questionário sobre preferências sexuais em ante-sala de ginecologista, por exemplo, não animam para a realização do exame. Quem diria. <br />
<br />
Folheando uma publicação sobre celebridades leio uma entrevista do tipo bate bola, ou seja, perguntas toscas e respostas curtas. Ou o inverso. Mas vá lá, a ideia é de um perfil rápido e raso do entrevistado, nada muito complexo. Mesmo assim me parece cretino solicitar a pessoa que defina a si mesma numa frase. Como se essa tarefa fosse possível. Como se a definição que uma pessoa cria acerca dela mesma pudesse açambarcar mais do que meias verdades e, em uma única frase, quiçá um quarto de verdades. Fico imaginando alternativas para melhorar aquele tipo de entrevista. Difícil, dado que o objetivo não é aprofundar nada. Contudo me ocorre que uma experiência interessante seria definir a nós mesmos com base naquilo que tememos. <br />
<br />
Nossos medos, que dizemos ser algo do qual gostaríamos de nos livrar, também são parte daquilo que nos define e, assim, não são artigos dos quais realmente desejemos nos separar. Quem sabe nosso maior desejo resida em não ter de enfrentá-los. Eu tenho medo de dentista, portanto, contanto que eu não vá ao dentista, meu medo não me incomoda. Claro que é uma decisão de avestruz, pois mais cedo ou mais tarde todos nos defrontamos com nossos medos, inclusive o principal, da finitude. Mas adiamos esse encontro o mais que pudermos. <br />
<br />
Todos temos medo e tememos muito, inclusive a celebridade bola da vez, que nas páginas das revistas parece exibir a capacidade de dar conta de tudo o que vier. Acredite, ela não tem esse dom. Entre o presente momento de qualquer ser humano – por mais maravilhoso que seja – e o próximo passo a ser dado em termos pessoais, profissionais ou em qualquer outro campo, paira o medo. E não há como não dar o próximo passo, pois mesmo o permanecer imóvel é também uma decisão. O medo de decidir pode ser paralisante ou não, mas ele se faz presente. No mais das vezes nosso esforço consiste em não olharmos de frente para o medo, mas sim de canto de olho, enquanto nos movimentamos dolorosamente. Nossos temores maiores embaçam nossa visão de nós mesmos e defini-los, nomeá-los, requer grande coragem, embora eles coubessem em frases bastante objetivas. Isso, se conseguíssemos encará-los de frente. Se vocalizássemos suas existências para além da bruma que se forma na mente no momento em que abraçamos essa tarefa. <br />
<br />
Ao conseguirmos identificar e vocalizar um medo profundo sem atenuá-lo, justificá-lo ou nos culparmos, abrimos uma pequena mas poderosa porta para dentro. Uma fresta para o eu através da qual muito pode escapulir. Muitos novos passos. Uma vida nova talvez. <br />
<br />
Abre-se a porta do consultório. Minha coragem, agora, se resume a comandar meus passos na direção de enfrentar sorridente o dentista, embora mil vezes preferisse alçar voo pela porta que dá para a rua, para fora de mim.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-84251005206402756862011-09-19T13:03:00.000-07:002011-09-19T13:03:01.581-07:00Amar a BarbieDepois de anos torcendo o nariz para as bonecas Barbie recentemente vivi meu momento “I love Barbie” e foi muito sincero. A bonequinha – ou pelo menos uma de suas versões – ganhou meu coração. Quem me viu e quem me vê.<br />
<br />
A Barbie deve ser a boneca mais amada e a mais odiada do planeta. A absoluta maioria das meninas a ama e projeta nela seus sonhos de ser uma mulher adulta, lindíssima, louríssima e poderosa. Não sendo nenhuma super-heroína, fica claro que seu poder emana da beleza e do dinheiro que a boneca ostenta, ou seja, o sonho de toda e qualquer mulher nos dias que correm, onde a visão de liberdade talvez seja mais cínica e, precisamente por isso, bastante pragmática. Beleza e dinheiro oferecem, sim, um tipo de liberdade a qual poucas mulheres têm acesso. Isso explica o sucesso da Barbie também entre jovens adultas que, embora não comprem as bonecas, consomem bolsas e sapatos com o perfil da marca estampado. A logo de um sonho materialista de poder feminino. <br />
<br />
Mas a rainha das bonecas na categoria perua também enfrentou muitos detratores ao longo de sua glamorosa carreira e os petardos contra ela não são leves. Um pouco de reflexão por parte dos pais se faz necessária. Há estudos afirmando que a imagem de perfeição projetada pela boneca prejudica a auto imagem das meninas, colocando-as em risco ao buscarem um ideal de feminilidade impossível de ser alcançado. Suas roupas são muitas vezes inapropriadas, sua apresentação excessivamente sexualizada e o apelo ao consumo é constante nos acessórios e brinquedos que acompanham a boneca. Atento às críticas, o fabricante lançou linhas onde a apresenta como uma bem sucedida profissional adulta (Barbie arquiteta, por exemplo) que possivelmente trabalha para seu sustento, adequadamente trajada. Lançou filmes também, nos quais ela geralmente é uma boa moça que se torna a heroína defensora dos mais fracos. Nem por isso o modelo “casamento dos sonhos” com o parrudo (e “carrãozudo”) Ken foi retirado de circulação. Amor perfeito também faz parte do pacote da mulher bem sucedida. Estão aí as revistas femininas para comprovar que pouca pressão é bobagem na construção do ideal de mulher da contemporaneidade.<br />
<br />
Mas como é que fui me afeiçoar pela Barbie, então? Aconteceu na abertura do filme Vida de Sereia, no qual a bonequinha é surfista. Depois de uma noite e um dia inteiro de febre, apatia e irritação, eis que a filha se ergue de um salto colocando-se em pé no sofá onde esteve deitada com a cabeça no meu colo, abre os braços e se equilibra em sua prancha de surfe imaginária, cantando empolgadamente – e imaginariamente no que tange à letra em inglês – a música da cena. Ela dança, ela ginga, balança os cabelos ao sabor de um suposto vento, os olhos grudados na televisão. Canta e vive a cena até o final, quando então se deita novamente, sorrindo. Se alguém mais estivesse na sala teria ouvido essa mãe murmurar “eu te amo, Barbie”, de todo o coração.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-76114048528392145392011-09-05T16:31:00.000-07:002011-09-05T16:31:58.206-07:00Passeio públicoQuando entrei na rua Morom, no meu passinho meio manco, dei de cara com as costas de duas moças. Nunca vi seus rostos. Mas chamaram minha atenção da mesma forma que chamavam a atenção de quem por elas passava e, como aparentemente íamos ao mesmo destino, fiz questão de andar atrás delas observando a reação das pessoas a sua passagem. <br />
<br />
Não havia nada errado com as moças, com exceção de estarem em desacordo com aquilo que é qualificado de bom gosto dentro de certos parâmetros. Caminhavam muito bem dispostas em seus altos saltos, exibindo quadris e seios volumosos em calças e blusas apertadas, balançando longos cabelos com evidentes apliques e demonstrando uma sensualidade exuberante planejada para assim o parecer. De tanto em tanto uma delas, mais pudica talvez, procurava puxar o cós da calça para cima e o pequeno top para baixo, numa tentativa vã de cobrir a área propositadamente exposta entre o início do fim dos quadris e o início das costas. Depois que a gente se veste para chamar a atenção para certos atributos bate um arrependimentozinho, quem nunca passou uma festa arrumando o decote, uma alcinha que teima em não parar no lugar ou uma barra de vestido que não esperávamos que estivesse tão curto? Pode acontecer com todo mundo.<br />
<br />
Também não havia nada de ilegal, de imoral ou que engordasse na aparência das moças, nem em sua conduta. Mas elas estavam numa rua conhecida por seu comércio e serviços voltados para as classes médias e, embora essas classes médias apreciem quadros como o da “Mulher Melancia” e congêneres, há dentre as fileiras das transeuntes da tal rua inclusive aquelas que se preocupam com o que estão vestindo ao caminhar por aquela meia dúzia de quadras. Ou seja, aquele ambiente exigiria outro tipo de vestimenta e possivelmente uma conduta mais discreta, como parece constar no contrato comportamental não escrito da região. Cada área de um conglomerado urbano tem o seu, constando o que pode, o que não pode e o que se espera de quem adentra a vizinhança. Não estão escritos e muito menos registrados, mas esses contratos existem.<br />
<br />
De forma que não me espantei dos risinhos, das invocações religiosas, das viradas de cabeça e olhares compridos, dos “pouca vergonha” e “que descaramento” provocados pela passagem das moças. Mas me assustei um pouco quando um senhor protestou dirigindo-se a um amigo: “aqui não é lugar para esse tipo!”. E o lugar era a rua. Passeio público. Acredito que fosse qual fosse o tipo a que as vestes e o comportamento das moças pudesse aludir, o passeio das suas individualidades pelo o que é público não poderia lhes ser negado. <br />
<br />
Há dias em que me alegro imensamente com o crescimento – desordenado, dizem muitos – da cidade. Sorrio ao ver tipos diferentes nas ruas, observar a quebra dos códigos culturais que procuram identificar quem é o certo e o errado na vida, saborear o nascimento de uma pequena multidão de anônimos, personagens de histórias tão próprias que jamais lhes passaria pela cabeça escolher um traje com base no poder aquisitivo do local pelo qual transitam. Gente ocupada demais com a própria vida para reparar o que estão pensando a seu respeito. Creio que a cidade ganha com a quebra de certos contratos comportamentais que podem oprimir dois quesitos gêmeos que são fundamentais para uma vida bem desfrutada: o da liberdade e o da criatividade. E a rua é para todos.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-78556247796587070372011-07-23T18:36:00.000-07:002011-07-23T18:36:20.503-07:00Dor do cãoRecentemente um de meus irmãos perdeu seu cachorro de estimação. Tinha um tumor e não resistiu, morreu quando ainda estava sendo preparado para uma cirurgia de risco. Conversei com meu irmão por telefone, pois já tendo perdido muitos cães na vida sabia da seriedade dessa dor. É a perda de um ser amado, de alguém que pertencia a família, que foi companheiro em nossa vida e compará-la a perda de um ser humano amado (É só um cachorro!) não ajuda a aliviar a dor de forma alguma, só acrescenta culpa e isolamento em quem já está passando por uma situação angustiante. <br />
<br />
Então disse-lhe poucas palavras e ouvi bastante, sobre as providências que tomou para que o corpo do cão tivesse um final digno e ele pudesse vivenciar alguma espécie de desfecho que o auxiliasse no luto. Na nossa infância esse desfecho normalmente ocorria no pátio de casa com o auxílio de uma pá e lágrimas, mas essa não é uma alternativa viável onde meu irmão atualmente reside, até pela ausência de dois elementos centrais, a casa e o pátio. Não pude me furtar a um sorriso meio amargo ao ouvi-lo afirmar energicamente que seu cachorro não era um cão qualquer, era absolutamente especial. É o que todos dizemos ao perder o cão, o gato, o cavalo, ou qualquer outro animal que amemos. É como se justificássemos nossa dor, amenizássemos o sentimento de culpa por sofrer assim por um ser vivo que não pertence a nossa espécie. E, contudo, independente da espécie a que pertença, o amamos sinceramente.<br />
<br />
Entristeci-me ao ouvi-lo ser a milésima pessoa nessa situação a me dizer “Nunca mais quero outro cachorro.” Acho que ele irá mudar de idéia noutro momento de sua vida. Assim espero. Sempre me parte o coração ver que a perda de um amado causou nas pessoas a rejeição a vivência de um novo amor. Dizemos coisas semelhantes quando de cabeça quente ao terminarmos um relacionamento amoroso, jurando que não queremos outro namorado, marido ou congênere “nunca mais”, mas dificilmente alguém leva isso ao pé da letra. No entanto, em relação aos animais acontece um fenômeno curioso. Não são raras as pessoas que desistem completamente da perspectiva de adotar outro bicho de estimação ao sofrerem com a morte de um. É como se não esperassem uma dor tão grande. Como se não tivessem plena consciência da quantidade de afeto que haviam investido no animal. Como se aquele sofrimento todo fosse quase uma deslealdade de parte do bicho ou de seus sentimentos, que o colocaram em situação tão frágil. Asseguram não terem condições de passar tamanho luto novamente e abdicam da convivência amorosa com um novo bichinho, cientes de que provavelmente viverão mais do que ele e chegará a hora de o enterrarem. É compreensível, mas é triste.<br />
<br />
Dois dos meus cães estão envelhecendo. Observando-os me apanho pensando que chegará o momento de os enterrarmos, minha filha possivelmente nova demais para digerir o ciclo inevitável da vida (nós, os adultos, por acaso o digerimos?). Nessas ocasiões fico ensaiando mentalmente quais palavras direi a ela para que não desista de amar, não desista da vida apesar da dor, não se furte de investir em afeto mesmo sabendo de antemão o desfecho (não o sabemos, todos os dias?), não perca nunca a chance de viver a felicidade imediata, barata, intensa e pura que há no balançar da cauda de um cão que corre em sua direção.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-18877956105351419032011-05-03T12:21:00.000-07:002011-05-03T12:21:11.240-07:00À derivaQuando olhei meu rosto no retrovisor fiquei chocada. Era segunda-feira de manhã e eu estava observando o portão da garagem fechando-se atrás de mim, ou seja, começava ali um dia cheio de tarefas. Eu saía para o mundo. E não havia no meu rosto nem um pingo de maquiagem. Nem sequer protetor solar. Um gloss. Nada. <br />
Eles não teriam como entender a minha dor. Mas a culpa era deles, eu tinha certeza. Os dois tinham horários a cumprir, compromissos fora de casa. A uma me cabia levá-la ao seu compromisso, lá permanecer e trazê-la de volta. Ao outro era preciso que eu retirasse meu carro para que o dele pudesse sair. (Há dias em que suspeito, não, tenho quase certeza, que as garagens são projetadas por arquitetos e engenheiros sádicos que planejam semear o mau humor e a discórdia entre as famílias.)<br />
<br />
De olho neles, nos horários deles, nas roupas deles (afinal, ela eu precisava ajudar a vestir-se e mesmo ele me pediu ajuda com os botões da gola da camisa), eu sai sem me maquiar. Não que eu me maquie de verdade, nem sei bem como fazer isso, mas um rímel, um protetor solar, um gloss, por favor. São os segundos de um carinho mínimo para consigo mesma no espelho. Você declara para si “meus olhos ainda são bonitos”, ou seja o que for que você diga que ofereça à imagem no espelho um pequeno sorriso imediatamente retribuído e voilà, aí está um alento à segunda-feira que se inicia. <br />
<br />
Não, saí sem meu pequeno encontro íntimo. A mente em todo lugar, menos em mim. A culpa só podia ser deles, desses que queremos em nossas vidas acima de tudo, mas, se possível, com um controle remoto. Ou um botãozinho escrito Pause, se não for pedir muito. <br />
<br />
A autoestima de uma mulher também é feita de pequenos gestos dela para consigo mesma, gestos íntimos que não nos devem faltar. São pequenas bóias flutuando na correnteza dos afazeres diários. Como passar um rímel nos olhos que ainda amamos. <br />
Felizmente havia um batom na bolsa. Recorri a ele e me maldisse pela incapacidade de carregar uma nécessaire com maquiagem básica na bolsa, além de outros itens “basiquinhos”. Jurei montar uma ainda hoje. Será que me lembro? Será que me permito esse coletinho salva-vidas no rio que navego? Ou opto pelo afogamento? Ou ainda, pior, talvez me regozije em atirar toras em frágeis embarcações alheias que trafegam pelo mesmo rio.Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-7439004118832578219.post-5504549598645902312011-04-14T11:45:00.000-07:002011-04-14T11:45:18.082-07:00Daquilo que conhece um doutorEscrevo esta coluna na estrada, a caminho da defesa de minha tese de doutorado. Ou seja, depois de defendida e aprovada a tal tese, me torno Doutor (é assim mesmo, sem o “a”, coisas da língua portuguesa. Embora eu prefira Doutora). Doutor em Literatura, no caso, mas não é isso que vem ao caso. A pergunta é, o que muda na minha vida com o título de Doutor? Em que isso me modifica como pessoa? <br />
<br />
Um doutorado, um mestrado, uma especialização, uma graduação, ou até a conclusão do Ensino Médio, significam muito para quem os consegue completar, muitas vezes a custa de grande esforço pessoal, e, ao mesmo tempo, não tornam ninguém especial. Parece contraditório, eu sei. De maneira geral as pessoas olham com admiração aqueles que possuem mais diplomas do que elas, que atingiram um nível mais elevado de escolarização, que mostraram ser mais perseverantes em seus estudos. Espera-se que essas pessoas sejam mais esclarecidas, uma vez que mais estudadas, e elas passam a funcionar como formadoras de opinião para determinado grupo. É justo, escolarização é importante e não pretendo aqui defender o contrário, principalmente conhecendo quão poucos são os anos de estudo da população do nosso país. Contudo, há um perigoso atributo de superioridade deferido aos possuidores de titulações como a que estou prestes a receber, do qual abro mão sem qualquer pesar. <br />
<br />
Explico. Ao realizar um doutorado (ou mesmo o Ensino Médio, insisto, em certos contextos) o indivíduo possivelmente se confronta com uma série de obstáculos exteriores, como o tempo e o dinheiro a despender – ambos normalmente escassos – as exigências dos professores, a ausência de certos conhecimentos, mas, sobretudo, ele se confronta consigo mesmo. É no encontro e na superação de suas dificuldades pessoais, em sua absoluta maioria de cunho emocional, que se dá a maior das lutas na conclusão de um curso, seja ele chamado “superior” ou não. Frente à tela em branco ou às vésperas da apresentação de um estudo, é comum que a angústia por colocar seu trabalho sob julgamento de terceiros tome o estudante a ponto de paralisá-lo. Alcançar o equilíbrio entre a crença na qualidade de seu trabalho e a humildade de vê-lo criticado, ao mesmo tempo que separa o julgamento dos méritos de seu estudos com o de sua integridade pessoal, é tarefa psiquicamente extenuante. <br />
<br />
Não são raras as pessoas que projetam nas palavras proferidas por uma banca o equivalente a salvação ou danação de sua existência como pessoa. Paira na expectativa da nota máxima a outorga de um salvo conduto intelectual que o eleva em relação aos demais. Para quem sente dessa forma, as coisas se complicam. A autoria e a autoridade se confundem e exacerbam e a compreensão de respeito resulta equivocada.<br />
<br />
Sempre que alguém realiza algo que desconhecemos nossa tendência é acrescer uma pitada de heroísmo ao feito, por imaginá-lo mais grandioso do que é, ou denegri-lo, por inveja. Daí para considerarmos o autor do feito como superior a nós mesmos e reverenciá-lo ou agredi-lo é um passo, ficando a escolha ao sabor das emoções do admirador. Nada disso vale a pena. Não há superioridade a ser atribuída a quem conclui, por exemplo, um doutorado, salvo em perseverança e em sua área de especialização. E, se for o caso, em sua longa jornada pessoal em busca do “conhece-te a ti mesmo.”Malu Vargashttp://www.blogger.com/profile/13909698833313485639noreply@blogger.com