terça-feira, 13 de abril de 2010

Entrincheirados na escola

A primeira vontade que se tem ao terminar de assistir Entre os muros da escola, o polêmico filme francês sobre o cotidiano de um professor de escola pública naquele país, é fazer um levantamento dos acertos e dos erros desse personagem. As opiniões pululam de todos os lados, pois as pessoas das mais variadas profissões já passaram por bancos escolares e têm suas histórias para contar. Eu, como profissional da educação, acho-o “normal”, ou seja, não distante de mim, parecido com muitos outros professores que conheço. Encontro no cotidiano profissional dele todos os pequenos dramas que conhecemos nas salas de aulas repletas de adolescentes, embora relativamente suavizados, pois que a ação se passa num país cujas mazelas da educação – pública ou privada – são bem menores que no Brasil. Lá estão o deboche, a afronta e, mais do que o desrespeito à autoridade do professor, a maquinação incessante no sentido de fazê-lo participar de um jogo em que se usam táticas de guerrilha para aniquilar o inimigo. Voa uma bolinha de papel de um lado, a caneta baixa as notas de outro. Entrincheiram-se alunos e professores. Ai de quem cai nessa esparrela. Já fiz isso e o resultado é sempre pesado, para ambos.


Acredito que o aluno que assim procede, o faz por acreditar ser essa situação inerente à relação entre professores e alunos. Ele tem problemas de relacionamento com a figura de autoridade – muito provavelmente por boas razões que concernem a sua intimidade familiar – e não tem motivos para crer que seja possível a formação de uma parceria com, senão todos, pelo menos alguns de seus professores que, convenhamos, não teriam causa a priori para percebê-lo como um inimigo. Na verdade, esse aluno adoraria ter algum professor que fosse seu companheiro, algum adulto que o escutasse, a quem pudesse confiar seus pensamentos e sonhos sem ser repreendido, criticado e humilhado, um relacionamento que fugisse da matriz que gerou sua imediata rejeição ao adulto/autoridade/professor/pai/chefe em questão, independentemente de quem seja a bola da vez.

O professor que entra nessa roubada o faz porque perdeu a cabeça, perdeu a calma que precisaria ter para lidar com esse tipo de situação. Como acontece com o personagem do filme, de forma perfeitamente compreensível. Não é o que se espera de um adulto e menos ainda de um profissional da educação, mas sabemos que ninguém é perfeito e nós, professores, temos uma profissão extremamente estressante e exaustiva. Mais exaustiva no Brasil do que nos países de primeiro mundo em função dos baixos salários, que obrigam um professor a lecionar mais períodos do que deveria ser permitido por lei, para salvaguardar sua saúde física e mental. A exaustão afeta a qualidade do relacionamento em sala de aula. Não estou exagerando.

É claro que existem os professores sádicos, os que acreditam nessa versão entrincheirada da educação e não têm o intuito de estabelecer parceria com ninguém. Esses, na minha humilde opinião, em que se justifiquem suas neuroses pessoais e por mais cultos e agradáveis que possam ser em ocasiões sociais, deveriam estar fora da sala de aula.

Além do ensino, o que está em jogo no cotidiano da profissão de educador é o delicado exercício da autoridade. É aí que mora o X da questão. A autoridade que é inerente ao exercício da profissão do professor, repousa em seu exemplo, em seu saber e na sua capacidade de abrir espaços de negociação para que a autoridade não se faça autoritarismo. No entanto, dela não se pode prescindir, nem na sala de aula, nem no Estado Democrático de Direito. Quando os que, pela detenção da autoridade, deveriam ser porto de acolhimento e farol para aqueles que estão em crescimento, se furtam a exercê-la – inclusive direções de escola, como a do filme – se abre espaço para a tirania. O bullying, por exemplo, nada mais é do que a tirania exercida entre os iguais na qual se estabelece uma hierarquia que simula o sadismo copiado do mundo adulto.

Para uma boa análise dos erros e acertos do professor de Entre os muros da escola, eu gostaria, mesmo, era de projetar esse filme para meus ex-alunos adolescentes e ouvir a opinião deles sobre os fatos. Tenho certeza de que seria uma experiência altamente esclarecedora para todos os professores. :-)