sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A função paterna

Observo o semblante de minha filha e percebo que ela está perdidamente apaixonada. Está inquieta e insatisfeita. É que quando seu amor demora a chegar ela se ressente e, então, quando ele finalmente chega, ela opta por fingir que não se importa muito com sua presença. Procura disfarçar o quanto o ama, receosa do que essa entrega possa significar. Mas basta uma insistência da parte dele e logo estão juntos, os dois pombinhos, jogando bola no corredor do apartamento. Nessas horas, trato de me recolher a minha insignificância. Minha filha ainda não tem quatro anos completos e o pai é o primeiro homem de sua vida. Caso eu participe de um faz-de-conta em que o pai esteja presente, não raro ela me delega o papel de bruxa e, a ela mesma, o de princesa. Nem é preciso dizer que ao pai cabe o de príncipe. Tudo bem, penso, mãe é meio bruxa mesmo.

A relação dos meninos com o pai é diferente, me ensinam os que sabem. Não há esse amor romântico, mas sim uma ansiedade de reconhecimento, igualmente profunda. É amor, sem dúvida, que solicita, “me permita amar você e, por favor, se orgulhe de mim. O que eu mais desejo na vida é ser como eu vejo você”.

É por conta do amor em nós depositado que os filhos nos obrigam a sermos melhores pessoas. Ninguém quer, em sã consciência, ser o responsável pelas más escolhas amorosas de uma filha adulta. Nenhum pai deseja que a filha se relacione com um homem que a maltrate e menospreze. Tampouco há pais que conscientemente esperam de seu filho que se torne um fracassado, um bêbado, traficante ou agressor. Todos os pais temem a adesão às drogas. E, no entanto, esse caminho é muitas vezes cimentado com palavras e gestos cruéis contra as crianças, atitudes que lhes comunicam claramente que elas são um estorvo e que não se espera nada de positivo de seus futuros. As palavras agressivas e as surras, diriam os pais, têm a intenção de educar, de salvaguardar o futuro. No entanto se esquecem que é impossível construir futuro massacrando o presente. O resultado de muita violência impressa é, inevitavelmente, detrito, sucata de ego. Será um trabalho quase impossível colar pedacinhos para se fazer um adulto feliz ou bem-sucedido (de acordo com os padrões familiares) alguém enfim, de quem a família possa se orgulhar.

Há alguns meses atrás traduzi um ótimo artigo do psicólogo norte-americano Michael Thompson, que trabalha especificamente com meninos.Esse pesquisador acredita que o caminho mais seguro para a construção de uma civilização onde as pessoas se importem umas com as outras, que ele chama de civilização empática, é fazer cessar o espancamento, o sarcasmo e outras formas de violência infligidas aos meninos quando pequenos. O psicólogo alerta que garotos oriundos de ambientes traumatizantes com pais brutais podem crescer para se tornarem tiranos e assassinos.
Durante a infância e a adolescência precisamos de homens cujo comportamento sirva de modelo para os meninos como cuidadores, insiste ele, sem que isso signifique reprimir suas manifestações masculinas e tentar transformar o comportamento das meninas em modelo a ser seguido. Achei sua proposta de ensinar os meninos a serem cuidadores, inclusive de crianças pequenas, revolucionária.

Bons pais, afirma Thompson, transmitem seus melhores valores e instintos de geração a geração. Homens mais seguros, valorizados desde pequenos pelo homem que mais admiram, seu próprio pai, resultariam eles mesmos em pais empáticos aptos a construir uma sociedade menos agressiva. Eu apoio essa idéia.

(A tradução completa do artigo de Michael Thompson se encontra neste blog. Clique no menu à direita, em 05/30)