sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Das interrupções no dia-a-dia de uma mulher

A vida de uma mulher que é mãe e casada é uma vida de interrupções. Alguém já escreveu sobre isso na internet com mais beleza, mas, certamente, não necessariamente com mais propriedade do que eu. A vida de uma mulher que trabalha, é mãe, casada e tem cachorros, acrescento eu, é uma vida de muitas interrupções. Ofereço um exemplo para aqueles que não sabem bem do que se trata (houve épocas em que eu também não sabia, lá, no meu apartamento de solteira). Ir ao banheiro, um gesto de solidão tão prosaico, pessoal e intransferível, o ato que mais une a humanidade além do nascimento e da morte, é uma decisão que será interrompida, atrapalhada, adiada, se você se encaixa nas categorias acima listadas. Não se trata apenas do velho “é certo que o telefone tocará”, não. Além do telefone, as crianças cairão, brigarão, gritarão, chorarão, o interfone tocará, o cachorro latirá, seu marido perguntará algo a você – após horas de quietude em frente ao computador, você nem lembrava mais que ele estava em casa – começando por “Querida onde está...” e terminando em tom inaudível.

É a de Lei de Murphy aplicada a esse caso específico, a interrupção ocorrerá principalmente naqueles momentos em que você deseja ardentemente ter um tempo só para você. Uma idéia que você quer anotar para o texto que está escrevendo (se não anotar agora certamente vai esquecer), o desfecho inacreditável da história que está lendo, o item que você precisa escrever na lista de supermercado, o telefonema de uma amiga com quem você gostaria de conversar: tudo isso será interrompido pelas pessoas e criaturas que você mais ama no mundo mas que, dia sim, dia não, tem ímpetos de matar. Você explica que vai tomar café e que detesta café frio, que te dêem um tempo, ninguém te interrompa, é um ritual sagrado, hora de acalentar pensamentos e devaneios com o cheiro gostoso do café, o pão quentinho com manteiga. Cada um cria seus rituais zen, de acordo com sua loucura. Se, um pouquinho antes de terminar o café você for interrompida do claustro e solidão que criou lá no seu cérebro, já dá para ficar contente e voltar com alegria ao convívio da família.
O que acontece é que mesmo as mulheres que gostam de encher a casa de pessoas amadas, bichos adoráveis e plantas que precisam de cuidados complicados, necessitam muito, também, ficar sozinhas com seus pensamentos. Os seres humanos são assim, cheios de (aparentes) contradições.

Na casa dos quarenta anos, não são poucas as mulheres que equilibram o trabalho e a vida doméstica da família que gerenciam com as inevitáveis demandas de cuidados de saúde de pais idosos. É um período em que nós, mulheres, temos o privilégio de observar atentamente a tessitura da vida, o que realmente compõe sua trama e o que é apenas adereço, onde esse tecido se esgarça e em que pontos ele resiste. E é por isso mesmo que a reflexão solitária se faz mais necessária do que, digamos, na casa dos vinte anos e a “fuga premeditada” do convívio familiar, ainda que por poucas horinhas semanais, também.