sexta-feira, 2 de julho de 2010

A desordem da felicidade

Não se preocupe demais com a desordem em sua casa. Embora você se esforce, a sala nunca parece pronta para sair na capa da Casa Cláudia ou de outra revista de decoração? O quarto, então, nem pensar porque a bela poltrona escolhida a dedo está soterrada embaixo de roupas e leituras? Há calçados espalhados pelo chão? Não faz mal. As belas fotos que vemos nessas revistas não são de casas de verdade. Não no exato momento em que as fotos foram tiradas e havia uma equipe observando o enquadramento, a iluminação e colocando o vaso com rosas perfeitas um pouco mais para a direita. Umas quantas pessoas observando a casa, milimetricamente estudando os objetos para compor um ambiente vendido para ser o seu. Só que essas fotos não representam cenas de uma casa de verdade. Pelo menos não da minha, onde a casa é mais vivida do que estudada. E a gente sabe que quando a equipe da revista vai embora, depois de uns momentos de admiração pelo trabalho realizado – quando talvez as pessoas tentem nem parecer presentes para não tirar nada do lugar – a vida invade o ambiente e as rosas maravilhosas eventualmente vão parar no lixo e são substituídas, ou não. Às vezes o vaso fica vazio.
Claro que quando a gente reforma, se muda, compra móveis ou quadros, observa e estuda o ambiente para saber se ficará bom, se estará confortável e acolhedor para as pessoas morarem lá. Pessoas essas que vão tirar os sapatos e colocar os pés em cima do sofá, que largarão copos e canecas pelas mesas, que deixarão jornais pelas poltronas todas e empilharão livros em cima do criado mudo. Isso sem contar os brinquedos bem no meio da sala, para quem tem crianças ou mesmo certos bichos de estimação. Uma casa de verdade fervilha de vida, ainda que seja uma moradia de solteiro, e a vida é movimento. Dificilmente uma casa é estática, parecendo permanente capa de revista e, ainda assim, espelhando felicidade.
Uma das tarefas mais árduas na vida é designar novos lugares para os pertences de quem morreu. Fazemos isso por nossos falecidos, procurando escolher o que fica com quem e o que será doado, encontrando atordoadamente pedaços de nós mesmos em meio às louças, camisas, armários, tapetes. Sabemos que o mesmo será feito por nós – o mais importante: não sabemos quando – e nossos vestígios pela casa terão de ser dramaticamente reduzidos para que os vivos possam continuar a viver.
É por isso que ao final de domingo, quando vejo os rastros dos habitantes da minha casa espalhados por todos os cômodos, não me incomodo muito. Já estou na fase em que prefiro ver minha casa cheia e em desordem, do que vazia, pôster de possibilidades ainda não realizadas ou já finitas.