sexta-feira, 25 de junho de 2010

Laços de família

Se você cresceu em uma família de hierarquia perene, como eu, não deixe de ler O clube do filme de David Gilmour (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009). Por hierarquia perene eu me refiro aquelas famílias, como a minha, em que não importa a idade que você tenha sempre será considerado "uma criança" para os pais. Claro que no caso da minha família, tendo inclusive meu pai já falecido, essa hierarquia se evaporou por conta das necessidades da vida e da morte. Mas, naqueles tempos a vida nas famílias era assim. “Você sempre será uma criança aos meus olhos” é uma frase que muita gente já ouviu. Isso parece muito bonito para ser dito, mas, na prática não é tão bonito nem constrói muito a auto-estima. Pode, inclusive, ser um pouco perverso.

Crescer em ambientes onde seu (inevitável) crescimento é negado é como se esgueirar por uma fresta. Primeiro você tem que achar a fresta, depois se metamorfosear em algo kafkiano para poder passar pela fresta. Uma vez do lado de lá, você estará sozinho para encher seu balão/ego, que se encontrará um tanto quanto murcho e possivelmente um bocado culpado por ter fugido às normas familiares, aos contratos não ditos, mas em plena vigência, que explicitam aquilo que a família espera de você. Sustentar-se bem em suas próprias pernas de adulto pode ser um trabalho de uma vida inteira.

No relacionamento entre pai e filho no tal livro as coisas são diferentes. O pai não é nenhum gênio da pedagogia, a bem da verdade, não é nenhum gênio de nada. Parece, inclusive, por vezes um cara bastante atrapalhado com questões "obrigatórias" do mundo masculino adulto, como sustentar a própria família. Mas o olhar que ele tem para esse filho é raro. É um olhar cheio de amor e cheio de espaço, criando um local em seu afeto onde o filho pode crescer, mais do que isso, onde ele espera e deseja que o filho cresça, se torne homem, e ele seja "derrotado". Ou seja, nesse relacionamento espera-se que a vida tome seu curso normal e as pessoas não sejam obrigadas a permanecer na posição de escada para que o mundo de outro (pais, mães, irmãos, esposos) não se desmorone.
Um trechinho da sabedoria desse pai: "Definitivamente as coisas estavam mudando entre nós dois. Eu sabia que, ao final do caminho, não muito longe, haveria um confronto e eu sairia perdendo. Exatamente como aconteceu com todos os outros pais na história." Acrescentaria eu: estejam eles cientes dessa mudança, ou não. A leitura é linda e incrivelmente atual porque, acreditem, não são muitos os pais que têm essa clareza, não importa o quão estudados sejamos.

Vestir-se livremente

Acabou o tempo da ditadura da moda. É só assistir aos desfiles das temporadas fashion para saber que cada um pode se vestir como achar melhor. Mas olhando para o cotidiano me pergunto: será que acabou mesmo?
A Márcia Tiburi escreveu em seu blog sobre sua experiência como Creuza por um dia, quando participou da performance do grupo Creuza no Teatro da Galeria Olido em São Paulo. Referindo-se a improvisação que o grupo realiza no palco a autora referiu-se aos seus intérpretes como sendo “criatividades livres” e esclareceu: “sim, existem criatividades que não são.” É uma verdade que me impactou e que auxilia a realizar uma melhor análise de atividades consideradas criativas. No caso da moda, existe a que é criatividade livre e a que não é? Sem dúvida. É um setor em que há muita pressão por vendas e a dança das cadeiras nas grandes maisons é prova de que o olhar do investidor está mais voltado para os documentos contabilísticos do que para a coleção do estilista, propriamente dita.
E a moda que usamos no dia-a-dia, será que “criatividade livre” cabe nessa equação? Acredito que manuais de ensinamentos do bem-vestir de certa forma se sobrepõem à criatividade, mesmo aquela admirada na passarela. Bem-vestir é uma coisa, usar as roupas com criatividade é outra. Bem que temos vontade de usar um look muito louco, importado diretamente da passarela, ainda que não seja possível a gente pegar um ônibus, do ponto de vista prático, vestida daquela forma. E ainda que a gente consiga chegar ao trabalho a pé ou de carro, em muitos ambientes não seremos bem recebidas seja com o outfit copiado da passarela, seja com o inventado de noite a tesouradas, no quarto. Locais de trabalho são espaços de criatividade controlada.
Okay, entendo. Mas e fora do labor, será que é preciso vestir-se sempre bem, mais ou menos de acordo com a moda? O problema, na minha humilde opinião, do “vestir-se bem” e “adequadamente” é que isso restringe um bocado a criatividade. Então seria bacana se as pessoas tivessem espaço em suas vidas para exercer o vestir-se de acordo com sua vontade livre, sem preocupação com o que o olhar alheio classifica como “bem”. Mesmo que isso signifique moletom e cabelo desgrenhado para a elegantérrima caixa do banco ou saris roxos da cabeça aos pés para a moça que mede pouco mais de um metro e meio.
Como em tudo na vida, é mais fácil falar do que fazer. Mas admitamos que para nós, mulheres, a preocupação com a aparência é excessivamente orientada para um olhar externo, o gozo está menos no uso criativo das vestimentas e mais no reconhecimento de terceiros de que estamos “bem vestidas” de acordo com a opinião geral do que é considerado bonito. O resultado é que acaba ficando todo mundo mais ou menos igual. Então fica a pergunta, qual será o espaço para a criatividade livre no vestir, em nossas vidas? Festa à fantasia, alguém topa?

Para visitar o blog da Marcia Tiburi (Pink Punk): http://colunas.gnt.globo.com/pinkpunk/