segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Aconselhamento

Li no blog de um pai o conselho para que não se deixasse passar a oportunidade de conversar com os filhos, diariamente. Esse pai preconizava que, nem que fosse antes de dormir, os pais sentassem à beira da cama e conversassem com os filhos sobre as coisas importantes da vida, aconselhando-os. Legal. Nem sempre possível de colocar em prática, mas bem pertinente o conselho. Se rolar umas quatro vezes por semana, a conversa essa, a beira da cama, já é uma enorme aproximação entre pais e filhos que muitas vezes são pessoas que moram na mesma casa, mas não conseguem estabelecer um diálogo. Mas, embora concordando em tese com esse pai, algo me incomodou.

Início dos anos oitenta. Estou sentada sozinha no chão do quarto que divido com minhas irmãs, manuseando meus poucos e preciosos LPs. A porta de repente se abre de chofre e meu pai me observa com uma feição meio esquisita. Permanece alguns segundos em silêncio e me pergunta o que estou fazendo. – Nada, respondo. É claro que estou fazendo algo importante para uma adolescente, mas essa é a resposta padrão, a que oferece um salvo conduto meio precário, uma vez que estabelecido que você não está fazendo alguma coisa uma tarefa lhe será imediatamente impingida, como secar a louça ou estudar. Ainda assim, é uma resposta que lhe resguarda de ter que começar uma conversa. É boa o bastante.

Mas ele não vai embora, nem me manda fazer algo “de útil”. Observo seu rosto contorcido quando me pergunta já meio exasperado: “você precisa de alguma coisa?!” Ih, definitivamente essa conversa vai render em chateação, então respondo “não”, rapidamente. Agora estou em território minado. Então, num esforço inesperado meu pai atropela uma frase mais ou menos como “Bom, se você precisar falar alguma coisa, pode falar!” e se vai. Enquanto tento compreender o que diabos foi aquilo, decido que o curso de ação mais seguro é ir assistir TV na sala com a família. Nada como adotar a atitude dos demais quando você quer passar despercebida.

Hoje, adulta, é com um misto de carinho e dó que reconheço a angústia de meu pai tentando estabelecer um diálogo com a filha adolescente, se lançando em uma tarefa da qual ele desconhecia as características mais básicas, por nunca tê-las vivenciado. Tendo ficado órfão ainda criança, conhecia muito da vida e sempre foi farto em conselhos, afinal, tinha muito o que contar. Mas não necessariamente abundava em espaço de escuta.

E é isso que me incomoda no aconselhamento à beira da cama preconizado pelo bom pai – como o meu – do blog lido a partir de uma postagem no Twitter. Por isso, ouso um pequeno adendo. Aos pais, nessa conversa, caberia mais ouvir do que falar e reagir com brandura aos pensamentos e acontecimentos apresentados que lhe fossem inesperados e incômodos. Talvez então o aconselhamento pudesse florescer no pantanoso terreno do crescimento, no qual a admoestação dificilmente vinga.