sábado, 23 de julho de 2011

Dor do cão

Recentemente um de meus irmãos perdeu seu cachorro de estimação. Tinha um tumor e não resistiu, morreu quando ainda estava sendo preparado para uma cirurgia de risco. Conversei com meu irmão por telefone, pois já tendo perdido muitos cães na vida sabia da seriedade dessa dor. É a perda de um ser amado, de alguém que pertencia a família, que foi companheiro em nossa vida e compará-la a perda de um ser humano amado (É só um cachorro!) não ajuda a aliviar a dor de forma alguma, só acrescenta culpa e isolamento em quem já está passando por uma situação angustiante.

Então disse-lhe poucas palavras e ouvi bastante, sobre as providências que tomou para que o corpo do cão tivesse um final digno e ele pudesse vivenciar alguma espécie de desfecho que o auxiliasse no luto. Na nossa infância esse desfecho normalmente ocorria no pátio de casa com o auxílio de uma pá e lágrimas, mas essa não é uma alternativa viável onde meu irmão atualmente reside, até pela ausência de dois elementos centrais, a casa e o pátio. Não pude me furtar a um sorriso meio amargo ao ouvi-lo afirmar energicamente que seu cachorro não era um cão qualquer, era absolutamente especial. É o que todos dizemos ao perder o cão, o gato, o cavalo, ou qualquer outro animal que amemos. É como se justificássemos nossa dor, amenizássemos o sentimento de culpa por sofrer assim por um ser vivo que não pertence a nossa espécie. E, contudo, independente da espécie a que pertença, o amamos sinceramente.

Entristeci-me ao ouvi-lo ser a milésima pessoa nessa situação a me dizer “Nunca mais quero outro cachorro.” Acho que ele irá mudar de idéia noutro momento de sua vida. Assim espero. Sempre me parte o coração ver que a perda de um amado causou nas pessoas a rejeição a vivência de um novo amor. Dizemos coisas semelhantes quando de cabeça quente ao terminarmos um relacionamento amoroso, jurando que não queremos outro namorado, marido ou congênere “nunca mais”, mas dificilmente alguém leva isso ao pé da letra. No entanto, em relação aos animais acontece um fenômeno curioso. Não são raras as pessoas que desistem completamente da perspectiva de adotar outro bicho de estimação ao sofrerem com a morte de um. É como se não esperassem uma dor tão grande. Como se não tivessem plena consciência da quantidade de afeto que haviam investido no animal. Como se aquele sofrimento todo fosse quase uma deslealdade de parte do bicho ou de seus sentimentos, que o colocaram em situação tão frágil. Asseguram não terem condições de passar tamanho luto novamente e abdicam da convivência amorosa com um novo bichinho, cientes de que provavelmente viverão mais do que ele e chegará a hora de o enterrarem. É compreensível, mas é triste.

Dois dos meus cães estão envelhecendo. Observando-os me apanho pensando que chegará o momento de os enterrarmos, minha filha possivelmente nova demais para digerir o ciclo inevitável da vida (nós, os adultos, por acaso o digerimos?). Nessas ocasiões fico ensaiando mentalmente quais palavras direi a ela para que não desista de amar, não desista da vida apesar da dor, não se furte de investir em afeto mesmo sabendo de antemão o desfecho (não o sabemos, todos os dias?), não perca nunca a chance de viver a felicidade imediata, barata, intensa e pura que há no balançar da cauda de um cão que corre em sua direção.