domingo, 2 de outubro de 2011

Uma porta para dentro

Ante-sala de consultório médico. Depois de certa idade você começa a passar mais tempo nesse tipo de lugar e consequentemente a valorizar mais o material de leitura lá disponibilizado. Quando a angústia é grande, as revistas de conteúdo leve são mais procuradas do que, digamos, aquelas que se destinam a fazer propagandas de remédios para doenças que você teme apresentando imagens de idosos felizes. Ou das que tentam convencer você a fazer sexo selvagem por meio de questionário sobre suas preferências. Perdão, mas não tem clima. Eu realmente apreciaria que os médicos pensassem mais no tipo de público que atendem e buscassem materiais de leitura adequados a esses clientes. Questionário sobre preferências sexuais em ante-sala de ginecologista, por exemplo, não animam para a realização do exame. Quem diria.

Folheando uma publicação sobre celebridades leio uma entrevista do tipo bate bola, ou seja, perguntas toscas e respostas curtas. Ou o inverso. Mas vá lá, a ideia é de um perfil rápido e raso do entrevistado, nada muito complexo. Mesmo assim me parece cretino solicitar a pessoa que defina a si mesma numa frase. Como se essa tarefa fosse possível. Como se a definição que uma pessoa cria acerca dela mesma pudesse açambarcar mais do que meias verdades e, em uma única frase, quiçá um quarto de verdades. Fico imaginando alternativas para melhorar aquele tipo de entrevista. Difícil, dado que o objetivo não é aprofundar nada. Contudo me ocorre que uma experiência interessante seria definir a nós mesmos com base naquilo que tememos.

Nossos medos, que dizemos ser algo do qual gostaríamos de nos livrar, também são parte daquilo que nos define e, assim, não são artigos dos quais realmente desejemos nos separar. Quem sabe nosso maior desejo resida em não ter de enfrentá-los. Eu tenho medo de dentista, portanto, contanto que eu não vá ao dentista, meu medo não me incomoda. Claro que é uma decisão de avestruz, pois mais cedo ou mais tarde todos nos defrontamos com nossos medos, inclusive o principal, da finitude. Mas adiamos esse encontro o mais que pudermos.

Todos temos medo e tememos muito, inclusive a celebridade bola da vez, que nas páginas das revistas parece exibir a capacidade de dar conta de tudo o que vier. Acredite, ela não tem esse dom. Entre o presente momento de qualquer ser humano – por mais maravilhoso que seja – e o próximo passo a ser dado em termos pessoais, profissionais ou em qualquer outro campo, paira o medo. E não há como não dar o próximo passo, pois mesmo o permanecer imóvel é também uma decisão. O medo de decidir pode ser paralisante ou não, mas ele se faz presente. No mais das vezes nosso esforço consiste em não olharmos de frente para o medo, mas sim de canto de olho, enquanto nos movimentamos dolorosamente. Nossos temores maiores embaçam nossa visão de nós mesmos e defini-los, nomeá-los, requer grande coragem, embora eles coubessem em frases bastante objetivas. Isso, se conseguíssemos encará-los de frente. Se vocalizássemos suas existências para além da bruma que se forma na mente no momento em que abraçamos essa tarefa.

Ao conseguirmos identificar e vocalizar um medo profundo sem atenuá-lo, justificá-lo ou nos culparmos, abrimos uma pequena mas poderosa porta para dentro. Uma fresta para o eu através da qual muito pode escapulir. Muitos novos passos. Uma vida nova talvez.

Abre-se a porta do consultório. Minha coragem, agora, se resume a comandar meus passos na direção de enfrentar sorridente o dentista, embora mil vezes preferisse alçar voo pela porta que dá para a rua, para fora de mim.