sexta-feira, 14 de maio de 2010

Escrever por sobre o medo

“Demorei muito tempo para compreender porque tantos escritores são alcoólatras: porque eles têm medo.” Alain de Botton, filósofo francês mais conhecido no Brasil pelo livro “A arquitetura da felicidade”, tuitou essa frase, recentemente. Gostei tanto dela que guardei nos Favoritos, no meu Twitter. Parece bobagem, ter medo de escrever. Tanta coisa para se ter medo, medo mesmo, como assaltos, atropelamentos, acidentes de carro, seqüestros, doenças e, mais do que tudo, a morte. Alguém vai ter medo de escrever? Tenha dó.


Mas é assim que funciona. Escrever é uma coisa que põe medo. A absoluta maioria das pessoas que eu conheço que escrevem, passam por esse desconforto. É só dar uma olhada nos cursos de pós-graduação, sejam especializações, mestrados ou doutorados, para testemunhar o incômodo. É claro que a culpa desse stress também é colocada no orientador, na falta de tempo para a elaboração dos trabalhos, na complexidade ou chatice pura da bibliografia obrigatória, enfim, toda pós-graduação tem lá suas barras a serem enfrentadas. Afora o medo da folha em branco.

A folha em branco e o bloqueio criativo são dois fantasmas que rondam os escritores de ficção ou não, entidades a serem temidas. Não me refiro à escrita burocrática de qualquer natureza, aquela que está tão incorporada ao dia-a-dia de quem a escreve que não o emociona mais. Me refiro àquela que mobiliza o escritor a ponto de trazer o medo e a postergação do trabalho com toda a sorte de desculpas que simplesmente encobrem o temor de defrontar-se com a angústia que suscita a tela do Word aberta, simulacro do papel branco.

Mas afinal, o que a folha em branco provoca em nós, qual o seu poder? O poder reside no desvelamento de si mesmo aos olhos dos outros, pois, quem escreve, o faz para um público leitor, nem que este seja apenas o professor que irá ler o trabalho que estiver sendo redigido. Há casos graves de gente que não pode nem sequer despejar seus sentimentos íntimos num diário guardado a sete chaves, pois não suporta, ela própria, encontrar-se consigo através de sua escrita. Mas são casos mais raros, acredito. Expor-se a apreciação, ao julgamento dos outros é sempre difícil. Tememos o acolhimento que o outro dará a nossa escrita, mas, em que pese essa dura realidade – principalmente em se tratando de trabalhos acadêmicos que são elaborados para sofrerem julgamento – para viver precisamos em primeiro lugar do acolhimento de nós mesmas e, nesse sentido, a escrita é uma boa porta.

Um diário, seja ele dirigido a nós mesmas ou a terceiros, pode ser um importante aliado e instrumento no que conhecemos como a cura pela palavra. Essa palavra não precisa apenas ser aquela lançada oralmente, ao analista, mas também pode ser a recolhida de nossas próprias gargantas, em momentos que não pudemos enunciá-las. Uma das características adoráveis do papel é que “descansa” nosso texto que, tal como massa de pão, cresce e se dispõe a ser aprimorado. Passado um tempo o lemos como um novo texto, não só para correções de forma, coisa banal, mas para correção de trajetos. Caminhos do dia-a-dia, tão íntimos que nem os teríamos observado não fosse eles estarem ali, materializados no papel. Quando estamos com muito medo em nossas vidas, inclusive de realizar a redação de uma pesquisa extensiva, talvez uma boa forma de começar seja escrevendo sobre o que se sente. Fica a dica.