quinta-feira, 14 de abril de 2011

Daquilo que conhece um doutor

Escrevo esta coluna na estrada, a caminho da defesa de minha tese de doutorado. Ou seja, depois de defendida e aprovada a tal tese, me torno Doutor (é assim mesmo, sem o “a”, coisas da língua portuguesa. Embora eu prefira Doutora). Doutor em Literatura, no caso, mas não é isso que vem ao caso. A pergunta é, o que muda na minha vida com o título de Doutor? Em que isso me modifica como pessoa?

Um doutorado, um mestrado, uma especialização, uma graduação, ou até a conclusão do Ensino Médio, significam muito para quem os consegue completar, muitas vezes a custa de grande esforço pessoal, e, ao mesmo tempo, não tornam ninguém especial. Parece contraditório, eu sei. De maneira geral as pessoas olham com admiração aqueles que possuem mais diplomas do que elas, que atingiram um nível mais elevado de escolarização, que mostraram ser mais perseverantes em seus estudos. Espera-se que essas pessoas sejam mais esclarecidas, uma vez que mais estudadas, e elas passam a funcionar como formadoras de opinião para determinado grupo. É justo, escolarização é importante e não pretendo aqui defender o contrário, principalmente conhecendo quão poucos são os anos de estudo da população do nosso país. Contudo, há um perigoso atributo de superioridade deferido aos possuidores de titulações como a que estou prestes a receber, do qual abro mão sem qualquer pesar.

Explico. Ao realizar um doutorado (ou mesmo o Ensino Médio, insisto, em certos contextos) o indivíduo possivelmente se confronta com uma série de obstáculos exteriores, como o tempo e o dinheiro a despender – ambos normalmente escassos – as exigências dos professores, a ausência de certos conhecimentos, mas, sobretudo, ele se confronta consigo mesmo. É no encontro e na superação de suas dificuldades pessoais, em sua absoluta maioria de cunho emocional, que se dá a maior das lutas na conclusão de um curso, seja ele chamado “superior” ou não. Frente à tela em branco ou às vésperas da apresentação de um estudo, é comum que a angústia por colocar seu trabalho sob julgamento de terceiros tome o estudante a ponto de paralisá-lo. Alcançar o equilíbrio entre a crença na qualidade de seu trabalho e a humildade de vê-lo criticado, ao mesmo tempo que separa o julgamento dos méritos de seu estudos com o de sua integridade pessoal, é tarefa psiquicamente extenuante.

Não são raras as pessoas que projetam nas palavras proferidas por uma banca o equivalente a salvação ou danação de sua existência como pessoa. Paira na expectativa da nota máxima a outorga de um salvo conduto intelectual que o eleva em relação aos demais. Para quem sente dessa forma, as coisas se complicam. A autoria e a autoridade se confundem e exacerbam e a compreensão de respeito resulta equivocada.

Sempre que alguém realiza algo que desconhecemos nossa tendência é acrescer uma pitada de heroísmo ao feito, por imaginá-lo mais grandioso do que é, ou denegri-lo, por inveja. Daí para considerarmos o autor do feito como superior a nós mesmos e reverenciá-lo ou agredi-lo é um passo, ficando a escolha ao sabor das emoções do admirador. Nada disso vale a pena. Não há superioridade a ser atribuída a quem conclui, por exemplo, um doutorado, salvo em perseverança e em sua área de especialização. E, se for o caso, em sua longa jornada pessoal em busca do “conhece-te a ti mesmo.”