terça-feira, 8 de junho de 2010

Você tem fome de quê?

“Não tenho nada para vestir” é uma afirmação tola, eu sei, mas que também me assalta, como a quase todas as mulheres, com mais freqüência em determinado período do mês. E embora eu esteja vendo as roupas penduradas no closet, não as enxergo e repito mentalmente que “não há nada que eu possa vestir”.
Hormônios à parte, muitas vezes me pergunto quantas roupas, quantos calçados, quantas echarpes, quantos brincos, quantos, enfim, “tudo” eu realmente preciso para me sentir bem e bonita. E acabo concluindo que não preciso de muita coisa. Acho que passei da idade de necessitar de um closet entulhado de peças para acreditar que tenho roupas em número suficiente. Ou será que não são roupas e acessórios que tenho em minhas mãos? Seriam projeções de mim mesma, fantasias não realizadas, que busco lá, dentre os cabides e botas?
É claro que as roupas têm mais significação do que simplesmente vestir o corpo, principalmente no caso das mulheres. As roupas são, como me disse um psiquiatra certa feita, representações de quem podemos vir a ser. Pequenas fantasias que vestimos, como fazem as crianças pequenas com seus super-heróis, princesas e bailarinas. Por essa razão temos mais roupas do que precisamos, porque há diversão no vestir-se, sonhos e projeções de como seremos naquele dia, naquele período da vida.
No entanto, há uma certa idade em que parece que nunca temos o suficiente, seja em bolsas e sapatos, seja em moradia, aparelhos eletrônicos ou quaisquer dos lançamentos de compra “obrigatória” por parte das classes médias. Algo nos falta. Uma fome nos consome. A grama do vizinho parece sempre mais verde e o cabelo mais bem tingido. Compramos gigantescos televisores para recepção de sinal em alta resolução, embora essa tecnologia ainda não esteja disponível em nossas casas, porque, bem, é a última tecnologia. É o que está todo mundo comprando. Assalta-nos a angústia de pertencer e de demonstrar em itens visíveis aos olhos de todos, que pertencemos. A que pertencemos? Talvez a uma classe social abastada ou a um grupo intelectualmente seleto, enfim, provavelmente a algo que pareça melhor do que aquilo que imaginamos sobre nós mesmos.
Acredito que mais tarde na vida chega-se uma idade em que se deseja muitas coisas, mas não necessariamente o que todos querem. Tendo realizado algumas fantasias, trocamos quantidade por qualidade e a opinião pessoal prevalece acerca do que se consome, relegando as propagandas e os frenesis da imprensa e das classes médias a um segundo plano. A fome passa quando temos maior clareza da finitude, pois que ela se torna mais próxima, e ficamos mais serenos em relação aos bens que possuímos inclusive desfrutando deles com mais presença. Isso porque talvez a felicidade seja mesmo, como apregoam muitos, irmã da simplicidade.