segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Contrariando os princípios

O Millôr Fernandes, que sabe muito de quase todas as coisas, é quem disse que se seus princípios são rígidos e inabaláveis, você, pessoalmente, já não precisa ser tanto. Assino embaixo. Contrario meus princípios com frequência a guisa de viver bem. Atualmente cheguei ao cúmulo da contradição, tendo adotado um programa de exercícios físicos.

A questão é que arrumei um probleminha na coluna que gerou imensa dor. E a dor, tal como a paixão, tem o poder de extrair de nós juras sinceras e profundas do tipo Scarlet O’Hara no alto de um morro vendo sua Tara (a fazenda!) devastada. Mas a gente não tem a mesma “tara” que a Scarlet O’Hara e normalmente as juras de paixão passam quando o fogo começa a arrefecer. Contudo é possível que a jura realizada quando você está chorando de dor – ou de fome e de raiva, no caso da nossa aguerrida personagem – tenha um efeito mais duradouro. De onde os exercícios.

Sou daquelas pessoas que não confessam, mas para as quais se exercitar é contrariar um princípio pessoal importante. É um princípio que se origina de certa onipotência, a de que damos conta de tudo, nada de realmente grave vai acontecer conosco. Como é comum em casos de onipotência, rega o frondoso tronco do nosso princípio inabalável (o de não se exercitar, no caso, embora outros possam ocupar esse lugar) uma água que atende pelo nome de Covardia, que nasce lá nas profundezas dos nossos medos. Medo de nos defrontarmos com as dificuldades, medo de confrontarmos nossa finitude (não, não vamos dar conta de tudo e a morte pode estar mais próxima do que fingimos), medo inclusive (pasmem!) de ficarmos mais bonitas nesse processo, diferindo daquilo que talvez esperassem de nós ou daquilo do qual nos julgamos merecedoras.

Parece que há um lugar chamado Conforto, onde habitamos. É um lugar amplo. Uma zona, chamam. Esse lugar pode inclusive ser bastante desconfortável, mas é nosso, é conhecido, as frustrações nos são familiares, por isso o nome de conforto. Quem é que em sã consciência vai sair das frustrações que lhe são conhecidas para ir buscar outras, fora da zona de conforto? Só quando ousamos aceitar que não há outra saída, pois permanecer no Conforto é perecer.

Eu não quero morrer cedo. Não sei se um dia vou achar que já não é mais tão cedo. Mas mais do que não morrer cedo, não quero que minha terceira idade – que está ali na esquina – seja vivida como um fardo de dor, para mim e para os que me cercam. Então contrario os princípios que me regem há mais de quarenta anos e, resignada como quem toma um remédio, faço meus exercícios. Não tenho sentido dor. Talvez seja possível rearranjar os móveis da zona de conforto para que caiba mais conforto e menos frustração, com um pouquinho de coragem para contrariar a si mesma.