sábado, 24 de julho de 2010

A mãe estóica

Não tenho a intenção de menosprezar as mães que são donas de casa. De jeito nenhum. É um trabalho insano, fundamental para o funcionamento da unidade familiar, em especial nas famílias que não tem como pagar uma empregada doméstica, e muito raramente reconhecido de verdade. Geladeira de presente no Dia das Mães, para mim, é piada de muito mau gosto. Faço “campanha” para que as famílias de classe média percebam a importância de se recolher o INSS para a mãe dona de casa de forma que ela possa vir a se aposentar um dia, depois de muitos anos trabalhando sem nenhuma remuneração. Acho que deve ser justamente em virtude da pouca valorização do seu trabalho que algumas mães insistem em buscar o reconhecimento do seu sacrifício junto aos familiares, na base da chantagem. Chamo esse fenômeno de “A mãe estóica”, me apropriando do sentido vulgar da palavra estoicismo, de não temor ao sofrimento. Sei que é meio redundante porque ser mãe e dona de casa de mangas arregaçadas requer um bocado de estoicismo, se compreendido como busca da virtude. Mas desse barco chamado estóico, para o chamado masoquista, para o chantagista, os pulos são pequenos no rio da frustração e os sofrimentos acabam por alcançar o mar. Tudo fica contaminado.
A titulo de exemplificação pensemos no famoso doce gaúcho chamado chimia ao qual só tínhamos acesso na infância se alguém da família se dispusesse a fazê-lo. Dá um trabalhão danado, especialmente se for de figo. Então, se alguém deseja fazer tachos de chimia além de todas as outras tarefas domésticas que lhe cabem, que faça porque gosta, por terapia, por diversão, pelo desafio do novo, mas não por obrigação. Afinal, há chimia pronta no supermercado, ainda por cima com muita variedade. Provavelmente mais barata do que a feita em casa, se somados inclusive o fator mão-de-obra, que infelizmente não é pago. Não faça chimia porque acha que é seu dever, porque na verdade não acredita que tenha direito a umas horas na poltrona em frente a TV e depois fique reclamando com os filhos e o marido que está com as mãos queimadas de mexer no tacho. Conheço cenas de tachos de chimia onde fervem mágoas de anos de não reconhecimento mais tarde espalhadas no pão nosso de cada dia dos familiares. As fatias engolidas com a culpa mal mastigada.
Há quem queira quarar roupa (e no inverno!) porque não se conforma enquanto o branco não ficar bem branquinho mesmo? Está bem, é um direito que assiste a quem curte o “branco mais branco”. Lembre-se apenas que esse é um prazer seu e bastante solitário, ok? Vai ser difícil emplacar essa conversa com os outros membros da família – “Olha só como esse lençol clareou depois de quarar!” – e eles acompanharem com o mesmo grau de entusiasmo que você. Seu filho adolescente possivelmente não vai nem prestar atenção se a camiseta está mais branca ou mais amarelada. Não espere que ele lhe agradeça pelo alvor de seu uniforme escolar. Essa é uma necessidade sua. Não exija de suas filhas que a imitem. A escolha de pegar o caminho mais complicado para lavar as roupas, colocar comida na mesa, limpar a casa, acompanhar os familiares em suas demandas, é, na verdade, bastante pessoal.
Nem estoicistas nem hedonistas, o bom mesmo seria que as mães e donas de casa pudessem criar espaços de conforto para si mesmas nos seus cotidianos atribulados de muito trabalho incluindo a possibilidade de poder, na velhice, encontrar a sua espera uma remuneração e alguma garantia de descanso.