quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Raiva de mãe

A raiva que ela tem guardada dentro de si é enorme. Um Aconcágua de mágoas. De memórias mesquinhas, de desaforos não ditos, de raiva contra o destino que não obedeceu seus ditames um tanto quanto infantis, de ódio do ex-marido e do rumo que a vida do filho tomou, penalizando a sua própria. Então ela resolve escrever suas dores em cartas dirigidas ao ex-marido, missivas repletas de dor e muita, muita raiva. Embora esteja longe do desfecho da história, o que mais me mobiliza na leitura de Precisamos Falar Sobre o Kevin (Lionel Shriver, editora Intrínseca) é a demolição metódica do passado familiar realizado pela personagem mãe, a autora da correspondência, regada a muita raiva e profunda incapacidade de apego ao filho, um estranho saído, ironicamente, de suas entranhas. Não chega a ser um caso raro.

“Não está nada bem, essa mãe”, nos dizemos. “Sem dúvida é louca”, é a afirmação mais frequente nos fóruns de debate sobre o livro, possivelmente por ser a que mais traz alívio imediato. Trata-se de uma leitura perturbadora precisamente por provocar clarões de empatia em qualquer mãe que venha a lê-la com honestidade. Por isso acorremos em nos diferenciar dessa mãe monstruosa, desequilibrada, raivosa, para garantirmos a nós mesmas que jamais seriamos assim. Mas temo que nos iludamos com muito fervor. A raiva não é um sentimento ausente no exercício da maternidade. A frustração, a mágoa, o entorpecimento que faz esvanecer os gestos de carinho são mais frequentes do que gostaríamos de admitir, mesmo em mães de classe média que, aparentemente, não teriam maiores preocupações como a da garantia da sobrevivência.

O isolamento e a frustração decorrentes da maternidade, e a demanda permanente de atenção que raramente é dispensada a si própria (elevada ao cubo quando a mulher trabalha fora de casa) podem ser devastadoras para a mulher. E aquela mãe sorridente na saída da escola do filho, carregando mochilas, sacolas de supermercado e o mundo nos ombros pode estar prestes a explodir. E pode inclusive não explodir, mas certamente acabará em lágrimas. A raiva é, muitas vezes, a antessala da depressão.

Para tentarmos compreender um sentimento tão forte como a raiva, podemos atribuir aos outros, aos que nos cercam, problemas que estão no cerne de quem nós realmente somos, das escolhas de vida que fizemos e das quais podemos estar arrependidas. Nessas situações diálogo é um bote salva vidas. E diálogo é um luxo ao qual muitas mães não tem acesso. Qual é a saída? Escrever, como faz a mãe do livro que estou lendo, é uma possibilidade. Talvez um blog com pseudônimo seja uma porta para estabelecer um diálogo com outras pessoas em situação semelhante. Há quem sugira acalmar a mente com técnicas meditativas. É uma boa ideia. Até kickboxing é uma ideia mais produtiva do que destilar a raiva sobre os familiares. E, em tendo chance, um bom terapeuta fará toda a diferença na vida não só da mãe, mas de todos os que dependem emocionalmente dela. O melhor presente que se pode dar aos filhos, creio.