segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O filho que eu quero ter

Na última terça-feira foi o Dia da Criança. Um dia no qual você acaba refletindo sobre a infância, inevitavelmente. Sobre a sua infância, sobre a infância dos filhos ou das crianças do país e do mundo, sobre o que você gostaria que tivesse sido e sobre como você gostaria que as coisas fossem dali por diante. Funciona um pouco como um Ano Novo porque as reflexões acabam levando a conclusões sobre o que melhorar e sobre como podemos colaborar naquilo que gostaríamos de ver mudado. Alguma coisa, ainda que pequena, todos podemos fazer, começando por nos educarmos acerca das necessidades da infância.

Eu li um bocado de livros sobre criação de filhos. Uns me ajudaram, uns atrapalharam e de alguns poucos discordei veementemente. Há livros no mercado para todos os gostos. Desde aqueles para justificar que o mal comportamento de um filho são sinais de que ele é especial, portador de algum sinal divino, como também para incentivar uma má vontade coletiva que vê a nova geração como incompetente e preguiçosa, para a qual apenas a boa e velha “linha dura” é a solução. Exageros vendem bem, como já sabemos. Aprendi com os livros e a filha ajudou a solidificar a sabedoria de que a teoria, na prática, é outra mesmo e difícil para caramba.
Mas há uma coisa que me incomoda um pouco, algo que acredito que os livros sobre educação de crianças nunca dizem com clareza e que me parece fundamental. A primeira “grande providência” que você tem que tomar se vai ter ou teve um filho, é esta: procure se tornar a melhor pessoa que você pode ser, nesse mundo. Não a mais perfeita, por favor, não é isso. Aliás, se você vai ter um filho seria muito legal começar a abrir mão da busca da perfeição. Não, não é com o seu estresse em conciliar tudo, em ser a super-mãe da capa das revistas femininas, que estou preocupada. É com o estresse da criança, em ter que crescer à sombra de alguém em busca da perfeição.

Funciona mais ou menos assim: os pais são a fonte de formação do psiquismo infantil e o são naquilo que fazem conscientemente, sabedores de si mesmos e naquilo que são inconscientemente, naquilo de si que nem sequer reconhecem, mas que se traduz na vida, de forma imperceptível, talvez. A criança, no entanto, percebe o imperceptível. Não de forma absolutamente racionalizada, mas através do afeto que na primeira infância parece ter a forma de uma grande esponja absorvente de tudo o que se passa ao redor. Se isso estiver certo – e há dados científicos indicando que está – a melhor coisa que podemos fazer para termos filhos do jeito que nós sonhamos, é ser esse sonho. Filhos calmos? Seja calmo. Gente honesta, correta, coisa que está faltando neste país? Seja honesto, procure fazer o que você acredita que é certo. “Queremos crianças felizes”, dizem todos os pais em coro? Seja feliz, você mesmo. A sua cara de infelicidade na mesa de jantar não está ajudando. E se os filhos lhe fazem infeliz, porque tomam muito do seu tempo e dão despesas grandes, por favor, interrompa a produção imediatamente. E lembre-se que não foi solicitação deles fazerem-se irremediavelmente presentes em sua vida.

É uma máxima comum esta, de ser a mudança que você deseja, oriunda de ensinamentos orientais e reproduzida em muitos manuais de auto-ajuda. Só precisamos lembrar de a transpormos para o campo da infância. Será que há em mim, a despeito do muito ou do pouco que a vida possa ter me oferecido, a criança que eu desejaria que meu filho fosse?