domingo, 25 de abril de 2010

Entre o medo e o desejo, o salto

Gurias dêem uma boa olhada no rapaz aí, da foto ao lado.
Permitam-me apresentá-lo. É difícil, porque quando se trata de Neil Gaiman o meu cérebro se desmancha e nem sei bem por onde começar, tantos são os elogios que me vêm à mente. Bem, além de suas mais óbvias qualidades ele é um escritor britânico. Escreve de tudo, romances, roteiros, poemas, é um destemido da escrita. Um grande e velho amor literário meu, agora renovado, uma vez que recentemente tomei coragem de ler um de seus primeiros trabalhos, a aclamada série Sandman. Ela trata de Morpheus, o Senhor dos Sonhos, e da sua perigosa, sedutora e disfuncional família composta por Destino, Desejo, Destruição, Desespero, Delírio e Morte. Não é exatamente o que chamaríamos de leitura light, mas é simplesmente arrebatadora.


Lembro que muitas vezes folheei as revistas de Sandman (sim, trata-se de uma HQ para adultos) na banca e dei uma espiadinha em seu conteúdo, aquela lidinha rápida que fazemos para decidir se vamos comprar uma obra, ou não. Bom, eu adorava o que via e o que lia! E rapidamente fechava a revista e a colocava de volta na estante. Tinha medo. E, naturalmente, um desejo imenso de continuar aquela leitura, um pouco assustadora. O racional – reduto para onde fugimos do medo – ganhava a batalha, sempre me convencia de que havia outra coisa que eu precisava ler para propósitos acadêmicos ou de trabalho e lá ia eu, com a cara de um gato que quase comeu o rato, mas ainda não.

Folheando as luxuosas páginas do meu volume do The Absolute Sandman, que acabou de chegar, achei curioso perceber que agimos de forma análoga, entre o desejo e o medo, com certos homens. Sedutores, alguns possivelmente disfuncionais, perigosos sem dúvida, há homens que não nos saem do pensamento. Em algum momento da vida todas nos deparamos com, pelo menos, um desses elementos. Damos uma espiadinha no conteúdo, na embalagem e sabemos que ali está um ser que vai chacoalhar nossas existências. Mas, por isso mesmo, temos medo. O perigo reside nas mudanças que enfrentaremos, na experiência do arrebatamento que encurta a respiração, não permitindo que o cérebro controle direito as coisas. Como reagir?

Há as mulheres que, embora temam, querem ardentemente uma experiência nova que acabe com o marasmo, algo que mude a rotina de suas existências. Seu objetivo é esse mesmo, saltar para o novo. Vence o desejo. Há outras nas quais vence o temor. Talvez estejam confortáveis e felizes em suas vidas como elas estão, ou talvez simplesmente ainda não estejam em condições emocionais de realizar mudanças profundas. E o problema de saltar para o novo é que, em se tratando de relações amorosas, não se pode planejá-las. Entregar-se, fragilizar-se, faz parte da vivência integral do processo. Assim, a cada novo amor, corre-se um novo perigo.

Com o passar da idade, contudo, amadurecemos alguns mecanismos de defesa que nos ajudam a ampliar a realização de nossos desejos, sem corrermos o risco de saltar para dentro da toca do coelho e descobrirmos, bem ao final da descida, que não há ninguém lá para amparar nossas quedas. Aprendemos, por exemplo, a observar se há redes de amparo à queda, não apenas no mundo exterior, mas dentro de nós mesmas. Estaremos em condições de afagar e cuidar de nossos possíveis machucados, caso saltemos? Qual é altura do salto que suportamos? Quão funda é a toca do coelho de Alice de cada uma de nós? Nossa coragem nos dirá.

Recentemente o adorável e tímido Neil Gaiman noivou com uma cantora americana, Amanda Palmer, notória por seu deboche e iconoclastia, que podem ser conferidos nos vídeos do espetáculo de cabaret-punk que apresentava com a banda Dresden Dolls, em Nova York, disponíveis na internet. Cabaret-punk?! Um salto e tanto. E ele está apaixonadíssimo. Acho que vamos todos, homens e mulheres, munidos de um bocado de coragem, pondo um pé na corda bamba e com o olhar buscando o equilíbrio no horizonte, realizando as mudanças que queremos, saltando da altura que podemos. O importante é o movimento. Pois até para a experiência de ler um livro a vida às vezes nos pede um pouquinho de coragem. E atendemos, quando estamos prontas.