quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Propaganda Enganosa

O casal vai caminhando na minha frente num local superlotado que impõe a proximidade física. E eu ouço a conversa deles. Não é um grande diálogo, pois a moça fala muito e o rapaz silencia. Ela está falando muito mal de uma Fulana que, pelo que compreendi, tem uma vida sexual mais diversificada e, possivelmente, mais divertida que a dela. O ponto de vista da moça, uma jovem bonita, é incrivelmente machista e coroado por bordões desse tipo de discurso, como o de chamar uma mulher cuja vida sexual não se encaixa nos padrões de moralidade de quem a julga de “galinha”, para apresentar um exemplo ameno dentre os muito utilizados.

O que a moça estava fazendo naquele discurso/fofoca pormenorizado contra a Fulana era apresentar um propaganda, no meu entender bem ruinzinha, da sua pessoa para seu companheiro. Algo na linha do “eu não sou como a Fulana, lhe sou fiel e não acharás outra como eu”. De doer. Que tristeza uma mulher recorrer ao machismo para procurar ressaltar seus atributos a um homem. Que pobreza atacar a liberdade sexual que as mulheres tão duramente conseguiram conquistar na esperança de manter um companheiro junto a si.

Darwin explica, sem dúvida, esse comportamento que nos é tão natural: competir contra as demais mulheres. Nossas antepassadas tinham de escolher o homem mais apto a manter a prole ou não sobreviveriam nas cavernas e nas sociedades pós-cavernas. A contrapartida era garantir ao homem a paternidade dessa prole, ou ele não teria razão para sustentá-la. “Lhe sou fiel”, portanto, era condição fundamental de sobrevivência.

Hoje, no entanto, agredir outras mulheres e recriminar seu comportamento numa tentativa patética de se apresentar como a verdadeira “mulher de César” – aquela a qual não basta ser honesta, é preciso parecer honesta – é, no mínimo, uma técnica ultrapassada e prejudicial de “venda de um produto”, se me permitem a comparação. Talvez até funcione junto a muitos homens, mas é ruim para todas nós, mulheres.

Por que, ao invés de desancarmos a concorrência, não colocamos nossos esforços em nós mesmas? Não é melhor poder dizer “oi, sou bacana, bonita, inteligente, boa de cama, culta, leal (qualidade essencial que as pessoas reduzem a ‘monogâmica’) e não acharás outra como eu”, do que “as outras mulheres não prestam”? Assim poderíamos produzir um maior respeito de nossa parte para com as demais mulheres, quer sejam elas virgens, prostitutas, libertárias, monogâmicas, partidárias do relacionamento aberto, bissexuais, homossexuais, heterossexuais, jovens, velhas.

Vivemos numa sociedade altamente agressiva com as mulheres. Essa agressividade certamente diminuiria se nós não a incentivássemos através do preconceito. Todas as mulheres que estiverem vivenciando sua sexualidade consensualmente merecem nosso respeito. Discordância? Natural. Ataque? Nem pensar. A vida muda muito e mudamos com ela. Bobagem atirar a primeira pedra ou dizer “dessa água não beberei”. Recriminamos os homens quando assumem comportamentos que os aproximam dos primatas. Não sejamos nós, mulheres, o elo mais frágil da corrente, corresponsáveis por estimulá-los.