terça-feira, 3 de maio de 2011

À deriva

Quando olhei meu rosto no retrovisor fiquei chocada. Era segunda-feira de manhã e eu estava observando o portão da garagem fechando-se atrás de mim, ou seja, começava ali um dia cheio de tarefas. Eu saía para o mundo. E não havia no meu rosto nem um pingo de maquiagem. Nem sequer protetor solar. Um gloss. Nada.
Eles não teriam como entender a minha dor. Mas a culpa era deles, eu tinha certeza. Os dois tinham horários a cumprir, compromissos fora de casa. A uma me cabia levá-la ao seu compromisso, lá permanecer e trazê-la de volta. Ao outro era preciso que eu retirasse meu carro para que o dele pudesse sair. (Há dias em que suspeito, não, tenho quase certeza, que as garagens são projetadas por arquitetos e engenheiros sádicos que planejam semear o mau humor e a discórdia entre as famílias.)

De olho neles, nos horários deles, nas roupas deles (afinal, ela eu precisava ajudar a vestir-se e mesmo ele me pediu ajuda com os botões da gola da camisa), eu sai sem me maquiar. Não que eu me maquie de verdade, nem sei bem como fazer isso, mas um rímel, um protetor solar, um gloss, por favor. São os segundos de um carinho mínimo para consigo mesma no espelho. Você declara para si “meus olhos ainda são bonitos”, ou seja o que for que você diga que ofereça à imagem no espelho um pequeno sorriso imediatamente retribuído e voilà, aí está um alento à segunda-feira que se inicia.

Não, saí sem meu pequeno encontro íntimo. A mente em todo lugar, menos em mim. A culpa só podia ser deles, desses que queremos em nossas vidas acima de tudo, mas, se possível, com um controle remoto. Ou um botãozinho escrito Pause, se não for pedir muito.

A autoestima de uma mulher também é feita de pequenos gestos dela para consigo mesma, gestos íntimos que não nos devem faltar. São pequenas bóias flutuando na correnteza dos afazeres diários. Como passar um rímel nos olhos que ainda amamos.
Felizmente havia um batom na bolsa. Recorri a ele e me maldisse pela incapacidade de carregar uma nécessaire com maquiagem básica na bolsa, além de outros itens “basiquinhos”. Jurei montar uma ainda hoje. Será que me lembro? Será que me permito esse coletinho salva-vidas no rio que navego? Ou opto pelo afogamento? Ou ainda, pior, talvez me regozije em atirar toras em frágeis embarcações alheias que trafegam pelo mesmo rio.