terça-feira, 30 de novembro de 2010

Qualquer amor

“Qualquer maneira de amor vale aquela, qualquer maneira de amor vale amar, qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá”. A gente cantava junto com o Milton Nascimento nos LPs de adolescência ou sozinhas nas rodinhas de violão. A música se chama Paula e Bebeto. Acreditávamos muito, por isso cantávamos tão empolgadas. Hoje me pergunto, será mesmo? Será que qualquer maneira de amor vale a pena? Acho que não. Há muitas maneiras pelas quais não vale amar.
Não vale amar sem ser amado, por exemplo. Ou até vale, afinal é possível nutrir carinho por uma pessoa com a qual você não vai estar pelas mais diversas razões, distâncias de toda ordem, contanto que isso não atrapalhe sua vida. Principalmente sua vida amorosa. Mas não vale a pena – e a palavra é essa mesmo, pena, de punição, de sofrimento – amar quem te desama. Talvez desamar soe meio esdrúxulo, mas gostaria de propor a palavra assim mesmo. Porque acho que há uma grande diferença entre não ter o amor correspondido e ser desamado por alguém.

Não se pode forçar ninguém a corresponder ao amor e quem já foi objeto de uma afeição que não encontrou ressonância em si mesmo sabe como é delicada essa situação. E sabe de como é importante retirar-se, não alimentar o sofrimento do apaixonado, permitir que a pessoa faça seu luto. Quem apostou num amor que não vai virar romance precisará redirecionar suas energias, apaziguar esse afeto que já ia se esparramando por dentro dele.

No entanto há os que não correspondem ao amor oferecido, mas tampouco se retiram da cena. Ficam inebriados pelo poder que exercem sobre o apaixonado e se utilizam desse para fins pessoais que em nada incluem as necessidades daquele que ama. Precisam de um “estepe” num fim de semana em que os outros “pneus” não rodaram? Lá vai o apaixonado acreditando estar recebendo afeição verdadeira, se expor aos sabores dos ventos do objeto de sua afeição. Desamam o apaixonado, alienam-no. Chegam mesmo a sentir pena da situação dele, mas não o libertam e podem submetê-lo a situações abusivas. Quanto mais “amam” a si mesmos, ou seja, quanto maior seu egocentrismo e sua conseqüente falta de empatia, mais desamam seu fiel amante.
Contudo, diz a sabedoria já popularizada que ninguém liberta ninguém, a liberdade é uma construção interna. Então porque se submete ao desamor, aquele que ama? Será que é porque lhe sobra tanto amor assim pelo outro, a ponto de se submeter a abusos, ou será que é porque lhe falta amor por si mesmo, esse que é a argamassa da construção da liberdade interior? Talvez não consiga olhar para si próprio, esse que ama ser desamado. Talvez dependa integralmente do olhar exterior para saber-se existindo, ainda que esse olhar seja de desamor. Quando não há um olhar interno que nos sustente, qualquer outro exterior vale.

O afeto por alguém com quem não se viverá uma história de amor não precisa desaparecer completamente, muito menos virar em ódio, conseqüência provável e amarga da vivência do desamor. Um pote até aqui de mágoa. Esse sentimento precisa é se modificar, ser só um carinho que fica lá, nalgum lugar quentinho da memória afetiva. Quentinho e por vezes doloridinho, admitamos, mas não uma câmara de tortura no andar mais quente do inferno. Acho que isso não é amor.