segunda-feira, 30 de julho de 2012

Um jantar ágape

Você se senta à mesa para jantar com alguns conhecidos e outros nem tanto. A conversa rola amena, primeiramente sobre a refeição em si e, minutos depois da primeira garfada o assunto deriva para “Do que você se arrepende?”, continuando com “Quem você não pode perdoar?” e “De que você tem medo?”. A primeira vista parece ameaçador, mas não há o que temer. Todos ao redor daquela mesa estariam despidos do temor de revelar a si e também da curiosidade maníaca de ouvir o próximo apenas para denegri-lo, ainda que em pensamentos. Essa é a proposta de uma refeição ágape, imaginada pelo filósofo suíço radicado na Inglaterra – e permanente agent provocateur - Alain De Botton, no seu mais recente livro, Religião para ateus, lançado no Brasil pela editora Intrínseca. E é o que eu chamaria de jantar inesquecível. Divertido, surpreendente, perspicaz, mucho loco e impraticável (impraticável, mesmo?) são adjetivos que cabem ao livro, cuja idéia central é a de tomar emprestadas, para a sociedade laica, algumas das práticas das religiões organizadas. Nos países de língua inglesa o livro causou cisões e debates acalorados. Alguns ateus, para minha surpresa, o classificaram entre “ridículo” e “traidor”. Achei particularmente interessantes os malabarismos mentais do autor, um ateu declarado, no sentido de proporcionar encontros entre as pessoas que pudessem amenizar alguns males da sociedade secularizada, como o isolamento. Ele está absolutamente correto em sua percepção de que nossa sociedade é centrada no culto ao sucesso profissional, o que faz com que as pessoas que dedicam sua vida a cuidar da família, dos filhos e, quando eles crescem, dos pais idosos, sejam vistas como perdedoras. Nessa categoria, se não estou equivocada, a presença feminina é de 99%. Não admira, diz o autor, que as pessoas abram mão de tudo para investir em suas carreiras profissionais. Não se trata, em muitos casos, apenas de assegurar o sustento para subsistir fisicamente, mas de assegurar o êxito afetivo através da atenção da qual necessitamos imensamente para subsistir emocionalmente. Daí a idéia de uma refeição, de um encontro ágape (que significa amor, em grego, e foi o nome dado às primeiras reuniões de natureza eucarística), no qual as perguntas utilizadas para que as pessoas venham a se conhecer não sejam as costumeiras “O que você faz?” e “Onde seus filhos estudam?”, questionamentos que visam nos encaixar em determinada prateleira social, mas sim aqueles que possam revelar de nossa fragilidade e insanidade compartilhadas. Alguém não gostaria de compartilhar sua insanidade sem ser julgado? Uma vez revelados e acolhidos, os monstros que nos habitam diminuem de tamanho, podendo até virar bichinhos de estimação. Num momento de empolgação estive até doidivando em realizar um jantar ao estilo ágape, aqui em casa. Mas pensei em dar uma aperfeiçoada na proposta do autor e, fiel aos pressupostos do meu herói Humphrey Bogart, oferecer tequila ou cachaça aos participantes, já na porta de entrada. Explico. Segundo Bogart a humanidade estaria algumas doses (de uísque, provavelmente) atrasada, ou seja, abaixo do nível desejado para que cada um vivesse bem consigo e com os outros. Então, duas doses de tequila logo na entrada do recinto possivelmente já garantiriam um jantar ao estilo ágape mesmo para o mais acanhado entre os convivas, não? Seria uma idéia para tentar arrancar a camisa de força da profissão. É que eu adoraria participar dessa versão adulta de Verdade ou Conseqüência, jogo da minha adolescência, só que sem a conseqüência e sem o julgamento de valor por parte dos pares. Mas temo que o pessoal nunca mais volte aqui em casa. Quem sabe pela tequila.