segunda-feira, 30 de julho de 2012

No banheiro

Banheiro feminino de um grande shopping center na capital do estado. Devido ao horário, início de tarde, razoavelmente cheio. Esperando com minha filha a vez de usar um toalete, vou observando as mulheres que coabitam esse espaço conosco durante alguns (longos) minutos e ouvindo suas conversas. Passado pouco tempo me sinto melancólica e desejosa da existência obrigatória de banheiros só para crianças. Duas moças de terninhos pretos bem cortados vão calçando seus stilettos também pretos, muito altos e elegantes, enquanto guardam suas sapatilhas e tênis em mochilinhas. Em seguida começam por retocar suas pesadas maquiagens com o apuro e a precisão de quem está habituada a fazê-lo com frequência. Na minha imaginação as vejo em seus respectivos ônibus (preconceito?), quase completamente montadas (arrumadas), a caminho do trabalho na loja de grifes na qual permanecerão provavelmente até o fechamento do shopping. Baixo os olhos para meus tênis do tipo Converse e rememoro as tantas vezes em que atendentes com aparência semelhante as dessas moças me avaliaram de cima a baixo já na entrada da loja deixando evidente em seus rostos e atitudes a conclusão de que provavelmente não valeria a pena gastar tempo comigo, no que se refere ao ganho de comissão. Estivesse no lugar delas, pensaria eu da mesma forma? Reconheço que provavelmente estão certas em sua avaliação sobre meus gastos. No espelho seguinte há outras duas moças, adolescentes provavelmente, jogando o jogo do “meu cabelo está horrível”. Funciona mais ou menos assim: cada uma destrata as qualidades dos seus cabelos numa escalada sem fim, sem nunca admitir que, talvez, o cabelo não esteja tão feio assim e nem o da amiga. É quase um monólogo, só que a dois. Uma loira, cabelos até a cintura, uma morena, cabelos até o meio das costas. Lindos, na minha leiga opinião. Uma vez tendo os cabelos escovados, presos, soltos, arrumados com esmero e feroz desmoralização verbal, lá se vão elas porta a fora balançando as madeixas. O jogo “meu cabelo está horrível” tem um concorrente muito forte, que é o “estou gorda” ou “preciso emagrecer”, ao qual se dedicam duas mulheres na fila a nossa frente e também algumas senhoras que ocupam os últimos espelhos ao final dessa área do toalete. Nesse tipo de ritual auto depreciativo geralmente não há consolo que seja aceito. Dicas de dietas, remédios e afins são bem vindos, mas a sugestão, inclusive utilizada por algumas das senhoras, de que você está bonita é recebida quase como um despropósito, por ouvidos moucos e olhares aprisionados ao espelho. Olhar para a interlocutora, somente via espelho. No banheiro feminino a estética impera. E é uma estética feroz. Não há espaço para meios termos, para reflexões equilibradas, para aceitações amorosas da imagem refletida. A imagem de uma mulher que já passou por tanta coisa. Que tem tanto ainda por fazer. Vai ver que essa obsessão pela aparência se deve a estarmos no chamado templo do consumo e há que se sair do banheiro ansiando pelas melhorias que estão expostas em cada vitrine, coisas que ainda não possuímos, soluções para nossos egos maltratados. Cremes para os cabelos, cintas para as barrigas, atendentes que nos pressionam a aspirar à aparência de riqueza, está tudo lá. Basta comprar. E continuar comprando. Até encher de amorosidade (ou seria inveja que buscamos?) o vazio que acreditamos estar no olhar de quem nos vê, na verdade reflexo do nosso próprio olhar severo. Mas é mais provável que o limite do cartão de crédito estoure antes que tal vazio possa ser preenchido.