domingo, 26 de agosto de 2012

Sujando as unhas

“Se você pintar as unhas dela de vermelho eu não pago” teria dito o marido à pobre manicure, encurralada em meio a uma briga que definitivamente não era sua. Ele só aceitava um rosinha pálido. A manicure me conta que isso não é incomum. Há maridos que proíbem suas esposas de pintar as unhas de vermelho e outros que não aceitam esmaltes de cores fortes. Estarrecida, encontro dificuldade de conseguir ordenar o pensamento diante de um relato desses. Há, em primeiro lugar, a proibição. Uma mulher é proibida por um homem que se julga em condições de fazê-lo. Ela, aparentemente, parece crer que deve obedecê-lo. O que é que dá a um homem o direito de proibir um ser humano adulto, responsável e independente de fazer algo, alguém me explica? É um papel em cartório? Anelzinho no dedo? E o que é que faz uma mulher abdicar de seu status de adulta e aceitar ser tutelada por alguém que diz “eu te proíbo” embora esse alguém confie a ela a casa, os filhos e os cuidados para com ele? Um amigo acha que me preocupo demais, pois residem nesses gestos demonstrações de afeto. Eu vejo apenas demonstrações de poder e rastros de um afeto truncado, atemorizado, por isso tão passivo. E não, de jeito nenhum, não acho que isso é amor. Em segundo lugar há a questão do domínio sobre o dinheiro, que é, em realidade, o que empodera um adulto a tutelar outro adulto igualmente livre. Por algum motivo um dos membros do casal parece compreender que a receita que possibilita a ambos viver não foi gerada por esforços conjuntos e sim, apenas por um. Se assim fosse, esse um seria o único dono do dinheiro e determinaria como ele deveria ser gasto. Esse é um comportamento típico dos “arrependidos”. Ele acha que se arrependeu de ter formado, de livre e espontânea vontade, uma família, ora, ora. E agora? Para quem é que ele devolve as crianças e a esposa, como é que volta no tempo para ser novamente senhor do seu tempo e do seu dinheiro? Ah, mas os arrependidos que conheço querem o almoço na mesa. As roupas limpas no armário. E os filhos bem criados de preferência sem que isso lhes cause incômodo. Afinal, gostam de aparecer com a família bonita – sinalizador de realização – em ocasiões sociais. E querem também escolher a cor dos esmaltes de suas mulheres propriedades, além da barra da saia. Na verdade ele não se arrependeu de nada, possivelmente não viveria fora do papel de vítima que é também algoz. Em terceiro, mas de forma alguma menos importante lugar na organização do nosso pensamento, está a questão da COR do esmalte. O que será que leva esse nosso amigo a proibir justamente o vermelho, cor tão sensual, nas unhas da “SUA” mulher? Será que nas outras pode? Que fantasias estarão escondidas aí, que o impedem de vê-la como ser de desejo, capaz de referir à existência de sua sexualidade através das unhas? E há ainda os que surtam com as cores inusitadas e enfeites de toda a sorte, expressões da criatividade feminina. Como é que uma brincadeira – e leia-se brincadeira aqui como sublimação do sexo, uma coisa feliz – feminina causa tanto rebuliço nos sentimentos masculinos? As mulheres se vestem, se maquiam, pintam as unhas para as outras mulheres, dizem por aí. Bem, se for esse o caso, o fato é que o que fazemos com a aparência dos nossos corpos mexe com os homens também. E nesse mexer entram sentimentos de posse saudáveis, como o desejo sexual, mas também de cerceamento e aniquilação. Sinal vermelho forte. Há que arranhar e cavoucar para sair de um buraco desses onde até nossas unhas são limpas das fantasias e quereres que nos fazem mulheres.