segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Raiva na estrada

De manhã cedo, sinal fechado. O tempo exato para passar o batom, imagino. Volta e meia me acomete essa coisa de sair sem batom e só passá-lo quando estou no carro. Manias, vai saber. Remexo a bolsa apressadamente, agilidade, vamos lá, vai dar tempo. Pelo espelho retrovisor vejo que o motorista do veículo atrás do meu me observa enquanto passo o batom. Guardo-o, estou pronta para acelerar no momento exato em que o sinal troca para o verde. No mesmo momento exato em que o motorista de trás buzina. O menor espaço de tempo, dizem, é o aquele que cabe entre abrir o sinal e o cara do carro atrás do seu enfiar a mão na buzina. Por que nosso amigo buzinou, se não houve atraso no movimento do meu carro? O que o perturbou? Podemos especular. Ele pode sofrer de Inveja do Batom. Não pode usá-lo, somente em momentos carnavalescos quando sai fantasiado de Vadinho (o marido farreador de Dona Flor e seus dois maridos, lembram?) e lá sei eu o que projeta no batom, de forma que sua visão o impaciente assim. Não é comigo a questão dele, é claro, é com o batom. Prováveis problemas de gênero à parte, creio que também acomete o motorista em questão a ansiedade, essa nossa companheira da velocidade da conexão, da aceleração neurótica característica do tempo em que vivemos. Há algumas semanas li trechos de um estudo sobre “Road Rage”, no site da Polícia Rodoviária de Washington, nos EUA. A presença da agressividade na maneira como você dirige pode ser detectada em alguns hábitos que nos parecem inócuos, mas são muito comuns, tais como: condenar mentalmente ou ter pensamentos violentos em relação a outros motoristas; condenar verbalmente outros motoristas, mencionando-os a outros passageiros que estejam em seu veículo (falando sozinho também conta, não?); não obedecer a certas regras do trânsito porque você não concorda com elas, como usar o cinto de segurança. De acordo com o artigo, a partir daí é tudo ladeira abaixo, a raiva já tomou conta de você que em breve estará ultrapassando sinais vermelhos, “costurando” no trânsito e freiando desnecessariamente com o objetivo de convencer o motorista do carro de trás a manter distância do seu (Que coisa mais neurótica! Alguém realmente faz isso?). Ah, o trânsito, esse desmascarador de nossas boas referências acerca de nós mesmos. Como é fácil criarmos ilusões positivas a nosso respeito, especialmente nas redes sociais. Quer saber um pouco mais sobre como uma pessoa se comporta em situação de stress? Sugiro deixar o Facebook de lado, sentar no banco do carona e largar ela a dirigir – não precisa ser numa metrópole, pode ser em Passo Fundo mesmo – no horário do rush. Para completar o quadro, dê um compromisso à pessoa, um local ao qual ela deve chegar em tantos minutos. Não necessariamente num horário impossível, mas um pouco apertado. Lá se vai a máscara de pessoa serena, equilibrada e tolerante. Não sou das piores, mas já vi isso acontecer comigo várias vezes e em mais de uma ocasião agradeci aos céus por não possuir porte de arma ou um bastão de baseball no banco traseiro. Dia desses cogitei instalar uma câmera no carro para me filmar, registrar aquilo que os outros e, principalmente, minha filha vê. A idéia é assistir depois de um dia agitado e ver se a vergonha faz com que me eduque na direção de ser uma pessoa realmente – como oposta a virtualmente – paciente e menos ansiosa.