sábado, 8 de maio de 2010

Uma mãe suficientemente boa

Cuidado, sua mãe pode comer a sua vida. Ela faz todas as suas vontades, te dá tudo o que você pede, está sempre presente e disponível, ela se dedica a você, somente a você, todas as horas do dia. Sem você, a vida dela seria muito vazia e tudo que ela espera é que você seja uma boa filha, ou um bom filho. Nada que uma chantagem (zinha?) não resolva em momentos de discórdia no mundo idílico do relacionamento de vocês. Essa mãe maravilhosa só tem um detalhe que a distingue das demais. Seus olhos, chamados popularmente de espelho da alma, são, na verdade, apenas botões.


Essa é uma das mães que com que se defronta a menina Coraline, no genial filme homônimo de Henry Selick baseado no romance do inventivo Neil Gaiman, um verdadeiro autor de contos de fadas.

Há, é claro, sua mãe verdadeira, cuja atenção à menina infelizmente não chega aos pés da dedicação que lhe oferece a outra mãe, naquele mundo paralelo que gira ao redor dos desejos de Coraline. A mãe verdadeira, para mal dos males, se vê envolvida em pagar contas, cuidar da casa, trabalhar e realmente não é, nesse caso específico, a mais divertida e companheira das mães. Mas com ela Coraline tem a chance de brincar sem ser muito controlada e não chega a ser negligenciada nem por falta, nem por excesso. Essa mãe que nem sequer sabe cozinhar uma comida gostosa parece amar muito a filha, mas – que absurdo! – tem uma vida sua para cuidar também e Coraline está longe de ser um bebê, que necessita de atenção em tempo integral.

A escolha da menina é complicada. Ficar com uma mãe que se dedica somente a ela significa ser devorada viva, não poder crescer, não acalentar sonhos seus, segredos e nichos de desejos onde a personalidade se desdobra para depois florescer em aventuras pelo mundo. O que lhe reservará a vida lá fora? Com certeza nada tão aconchegante como o ninho materno que, no entanto, é pequeno para suportar seu crescimento e onde permanecerá imóvel. Talvez como a Carolina da canção, com seus olhos que guardam tanta dor (feitos de botões?) a olhar pela janela o grande e vasto mundo em movimento lá fora, tão distante de suas possibilidades. Ficar com a mãe verdadeira significa não ter seus desejos realizados prontamente, empenhar-se sozinha em tarefas que preferiria delegar a terceiros e ainda ter que aturar diariamente a tessitura dessa delicada teia que une mãe e filha, na qual se misturam amor e impaciência em doses por vezes quase que iguais.

Contudo a mãe imperfeita – que não é má e quando consegue equilibrar as contas da casa se lembra de lhe dar um presente, ou seja, não está assim tão desatenta aos desejos seus – tem um grande trunfo: oferecerá a Coraline um lar também imperfeito e, com ele, a aventura de estar viva nesse mundo, com seus defeitos e delícias. Um bom filme para o Dia das Mães.