terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A fuga da torre

A mãe/madrasta/bruxa de Branca de Neve inveja a beleza da jovem em crescimento e se desespera frente a um espelho que indica seu envelhecimento enquanto a menina floresce. A mãe/bruxa de Rapunzel tranca a menina numa torre ao primeiro sinal de puberdade, temerosa do desabrochar da sexualidade desta e os conseqüentes vôos para o conhecimento e a vida adulta. A Outra Mãe (uma bruxa, na verdade) de Coraline deseja substituir os olhos da pré adolescente por botões, sugando-lhe a alma e a vida que está prestes a desabrochar. Mães que invejam suas crias e desejam engolir suas vidas, sua beleza, sua juventude. Por que será que este tema é recorrente na literatura?

O filme Enrolados, da Disney, não perde de vista a essência do conto original de Rapunzel, embora, como de hábito nas produções daquele estúdio, lhe ofereça uma releitura suave e com final feliz. No original a menina é seduzida por um príncipe que sobre a torre e a engravida. Furiosa com a traição, a bruxa corta seus cabelos e a condena a viver no deserto, onde Rapunzel, sozinha, dá à luz gêmeos. A bruxa ainda cega o príncipe que é condenado a vagar pelo mundo em busca de sua amada. Algumas versões contam que ao finalmente se reencontrarem, muitos anos depois, as lágrimas de Rapunzel curam o rapaz da cegueira.

Em Enrolados, embora o roteirista tenha criado uma trama diferente – delicada e divertida com personagens secundários inesquecíveis, como o cavalo Maximus – a cena em que a mãe amedronta, ridiculariza e solapa a auto-estima de uma temerosa Rapunzel que lhe pede permissão para, em seu aniversário, sair da torre, é fenomenal. Não sobraria pedra sobre pedra dos desejos individuais da jovem Rapunzel após a mãe lhe convencer de que ela não tem inteligência ou habilidades para sobreviver fora da torre sem seus “cuidados”, de que é feia e desajeitada e de que o mundo é um lugar terrível e apenas a mãe possui os talentos necessários para viver nele, talentos que a jovem jamais alcançará. No filme, mesmo após anos sob tal abuso Rapunzel não desiste em sair da torre e, quando o faz, descobre que a suposta mãe necessita de sua magia – leia-se juventude e beleza – como antídoto a sua feiúra e velhice. Na vida real, como dolorosamente retratado no filme Preciosa, seria impossível permanecer com o ego inteiro frente a ataques dessa natureza por parte da própria mãe. Mães que temem o crescimento da filha, que invejam a juventude e beleza desta e que confundem seu papel de apoiadoras e incentivadoras com o de concorrentes darwinianas em situação de busca de macho para acasalamento não são, infelizmente, uma raridade absoluta.

Os filhos, ao crescerem, de certa forma descortinam definitivamente aos pais sua decadência e finitude. Perceber o declínio de seu poder sexual, de sua beleza e mesmo a morte inevitável em uma curva do tempo mais adiante, ao mesmo tempo que aplaude, apóia e orienta o desabrochar da sexualidade, da beleza e os primeiros passos para a vida adulta que se inicia para uma filha é a prova definitiva da maturidade de uma mãe. A progenitora invejosa e predadora não é circunscrita à literatura e as filhas vítimas dessas concorrentes desleais precisam de ajuda externa ao elo com a mãe – de parentes, professores, amigas e terapeutas – para construírem a saída da torre onde estiveram trancafiadas.