segunda-feira, 12 de março de 2012

Miragem

Byron, a quem secretamente apelidei Lord Byron, tem vinte e dois anos de idade e é Chefe de Trapézio num hotel da Bahia pertencente a uma grande rede de resorts. Parte das responsabilidades de chefe inclui dançar e representar todas as noites nos pequenos shows que o Village obrigatoriamente deve oferecer, além de zelar pela segurança de adultos e crianças que buscam aulas de trapézio e afins. Há dias observo o infatigável jovem australiano formado em Circo, Teatro e Dança desempenhar de forma competente e madura tudo o que lhe é solicitado, mesmo estando cansado. Trabalhando há três anos nessa rede internacional, ele já passou por três países, ou seja, três villages, e sua meta é essa, conhecer o mundo trabalhando enquanto jovem. Curiosa, não pude deixar de lhe perguntar como pode ser tão independente e responsável com apenas vinte e dois anos.

Caçula numa família de classe média com três filhos homens, Byron começou no trapézio aos cinco anos de idade. Aos quatorze já era instrutor. Durante o último ano do equivalente ao nosso Ensino Médio percebeu que realmente desejava trabalhar em circo e conhecer muitos países. Sua primeira providência foi conseguir um emprego nos Estados Unidos e ir para lá, ao completar dezoito anos. Um ano depois voltou e ingressou na empresa onde hoje trabalha, tendo galgado o posto de Chefe de Trapézio e sendo um dos homens de confiança de seu superior imediato, o atual Chefe do Village, um canadense na casa dos quarenta anos.

Durante nossa conversa comento que muitos de nós, brasileiros, talvez nos apeguemos demais aos nossos filhos roubando-lhes a construção da independência, embora sejamos amorosos e bem intencionados. Ele parece concordar e afirma que os pais o ensinaram a desempenhar quaisquer atividades com seriedade e apóiam suas decisões profissionais. Está claro que realizaram um bom trabalho. Brinco sobre a situação da mãe, única mulher numa casa cheia de homens. Ele então me conta que os pais, ambos professores do Ensino Superior, saíam para trabalhar deixando-o ao encargo dos irmãos mais velhos que não raro lhe agrediam fisicamente por se recusar a obedecê-los. Acha natural e culpa a si mesmo por ter sido “irritante” quando pequeno. Reflito, silenciosamente, sobre a influência das experiências que levaram esse australiano de olhos azuis a querer provar-se forte, inclusive fisicamente.

Deixo minha filha na fila da corda bamba e saio caminhando na corda bamba dos pensamentos de mãe: será que é apenas na adversidade que o ser humano cresce? Pois se assim for, a amorosidade pode ser vista como impeditiva. Os que acreditam que “antigamente é que era bom” sem dúvida afirmarão que sim, que atualmente as crianças crescem cercadas de cuidados excessivos e que nem se pode dar-lhes umas boas palmadas para corrigi-las. Estamos criando uma geração de incapazes. É isso, então. Simples. Basta fazer da casa dos pais um ambiente desagradável o suficiente para que a criança ou o adolescente não queira permanecer ali de jeito nenhum e ele será obrigado a amadurecer. Caberia ajustar os níveis de maus tratos para evitar que, ao invés de ajudar no crescimento, se criasse um adulto alquebrado e incapacitado emocionalmente. Fácil, não?

Ou, talvez, em algum oásis escondido por um véu de enganos, bem no meio do caminho entre o apego infantilizador e o apelo da surra, haja um espaço para a criação afetuosa dos filhos num ambiente familiar seguro e respeitoso de suas individualidades que os tornem, oxalá, maduros e independentes. Miragem? O tempo no-lo dirá.