quarta-feira, 14 de março de 2012

Morno

Acho que foi o Millôr quem primeiro disse algo na linha de “se sair por aí sorrindo, não se admire de te jogarem pedras”. Ele tem razão. Certa discrição se impõe no caso da felicidade, como no da infelicidade, quando se trata de demonstrações públicas. Aparentemente a convivência em sociedade exige um meio termo na manifestação de sentimentos. Alegrias e tristezas sinceras podem afastar as pessoas de você porque evocam nelas sentimentos que possivelmente não têm como suportar. Parece estranho? Pense bem.

Com certeza você já viveu situações nas quais foi preciso tomar cuidado com sua cara de felicidade para não magoar os outros. Um dos motivos pelos quais as pessoas não aturam por muito tempo a amiga radiante é que ela não rende conversa, não rende uma boa fofoca da qual se possa sair com um sentimento de superioridade. É preciso um marido do qual se possa falar mal, duma atitude inadequada, de uma roupa inapropriada, mas a tal Fulana, sempre numa boa, faz você até se sentir meio culpada de falar mal dela. Fazer o que? O assunto acabaria tendo de derivar para a política, para a economia, para leituras, ou filmes e música ou outros acontecimentos da vida pessoal das participantes da roda de conversa e isso não necessariamente cria o profundo elo de ligação que vem de você falar mal de alguém, em grupo, e ir embora com aquela certeza de que todas ali são melhores do que a que está ausente, aquela de quem se fala, a que tem problemas piores do que os seus, enfim. Sartre disse que “o inferno são os outros”, mas, nessas situações, o céu é o outro no inferno. O outro está mal, logo, não estou tão mal assim. Nem tão gorda. Nem tão mal amada. Tenho meus pares e eles me reforçam. Pelo menos até que eu saia da sala.

Se for assim, a tristeza dos outros deveria ser muito bem vinda, pois nos proporcionaria a massagem no ego que a fofoca pode criar. Mas fofocar sobre uma pessoa que destemida e sinceramente lhe contou suas tristezas, a princípio também não rende muita conversa, mas certo constrangimento coletivo. Melhor diagnosticar rapidamente o amigo como desequilibrado e listar os erros que ele cometeu para estar naquela situação ou gargantear sobre como você resolveria os problemas que não lhe afligem. Somos experts, homens e mulheres, em resolver problemas que não os nossos.

O falecido psicanalista José Ângelo Gaiarsa certa vez escreveu que “o medo de ser falado, fofocado, é com certeza o mais frequente motivo de supressão de nossos pensamentos e desejos pessoais”. Acontece que a fofoca não cerceia apenas para fora de nós mesmos, mas também e fundamentalmente para dentro. Assim, na esperança de fazermos amigos e influenciarmos pessoas – se me perdoam a pequena ironia com o nome do famoso best-seller – muitas vezes nos comportamos de forma amena, civilizada, sem lágrimas ou gargalhadas, uma máscara de simpatia e equilíbrio. Aos íntimos, se tivermos sorte de os termos verdadeiramente, reservamos nossas pequenas e grandes loucuras.