sábado, 20 de março de 2010

Esquadrão da Moda

“O que não vestir” é a tradução mais literal de um famoso programa britânico de aconselhamento sobre moda e estilo, criado pelas politicamente incorretas Susannah Constantine e Trinny Woodall. No melhor estilo “prende e arrebenta” as apresentadoras enfiavam o pé na porta dos guarda-roupas – e também no afeto – de mulheres que precisavam de um banho de loja e estilo, com urgência. Mas eram engraçadas e o programa sempre acabava com um final feliz. A versão norte-americana ficou a cargo de Clinton Kelly e Stacy London, mordazes, mas mais atentos aos sentimentos – e possíveis processos juduciais – de seus convidados. Assisti muitos episódios de ambos os programas no canal pago People & Arts e aprendi alguma pouca coisa (pouca, mesmo), que venho mui humildemente, compartilhar. Como, graças aos deuses todos, nenhum dos apresentadores vem a minha casa para me dar uma mãozinha com as roupas, resolvi dar uma “olhada” crítica no meu biotipo e no closet no melhor estilo Trinny e Susannah: vestindo as coisas, arrancando do corpo e jogando no chão!


No decurso dessa minha investigação, acabei levantando questionamentos interessantes (e possíveis argumentações idiotas), que listo a seguir:

1) Ainda vou USAR isso?
Para início de conversa, essa é a única pergunta que existe. Todas as demais são derivadas dela. Agora, se no último ano você não esteve grávida, vivendo em outro país de clima diferente, e nada mais dramático ocorreu em sua rotina (você era lutadora de sumô, mas agora é uma alta executiva de alguma multinacional) e, mesmo assim, há um ano não veste a tal peça, a resposta, provavelmente, é NÃO. Veja bem, não estou perguntando se a tal roupa lhe cai bem, a pergunta é se você vai usar. Segunda-feira. Não se você vai usar um dia, quando for mais gorda, mais magra, mais velha, parecer mais nova, for mais alta ou finalmente tomar coragem de usar botas brancas e um colant de oncinha na rua. A pergunta é: Existe alguma possibilidade de eu sair vestida com essa roupa nessa segunda-feira? Se a resposta não for positiva, é melhor que a roupa vá para a pilha no chão. A segunda pergunta é:

2) Eu quero SER VISTA usando isso?
Porque não adianta você gostar da bota branca, se você não vai usá-la. Com exceção de algum aparato de fetiche (que também deveria ser usado na ocasião apropriada), as nossas roupas são para serem usadas em público. Se você guarda há muito tempo coisas que não tem coragem de vestir para sair na rua, talvez venha a se sentir melhor tomando uma decisão a respeito de quem você é e do que você gosta. Aí, danem-se a Trinny e a Susannah, as regras sobre o bem-vestir e o seu super-ego.
A partir da resposta a essas duas simples perguntinhas, vêm todas as armadilhas que a gente se coloca pra impedir que certas representações de si mesma possam ir para a pilha.

Uma das melhores é a da reforminha. Essa peça só precisa de uma reforminha. Você tem o hábito de ir a costureiras, tem uma costureira de confiança, você mesma reforma as suas roupas? Maravilha! Então é só pôr a peça num lugar bem incômodo, tipo em cima da tampa do vaso do banheiro, e não procrastinar a reforma. Caso contrário você só está mudando a peça de lugar e arrumando mais uma coisa na (já bem longa) lista de coisas a serem feitas, ou seja, mais um peso na consciência.

Outra muito comum é a do preço da roupa. Custou os olhos da cara, porque é da marca Xish, e então não pode ser dada. É um casaco de tweed com renda nos punhos e bordado em pérolas, com ombreiras que fazem desaparecer o pescoço em um passe de mágica, mas não se pode dá-lo para alguém pobre se aquecer, porque custou caro. E pobre não pode se aquecer com roupa cara. Todo mundo sabe que faz mal para eles. Eles inclusive se importam muito com a marca da roupa, quando estão deitados sob papelões. Algumas pessoas dizem: “é um pecado dar uma roupa tão cara!” Vai ver que é. Eu nunca entendi bem a noção de pecado.

Tem também a esperança de que a moda volte. E volte exatamente como era! Que releitura, que nada! Se você tivesse guardado todos aqueles tamancos de madeira dos anos setenta teria poupado o maior dinheiro! Em sapatos, talvez. Mas o “médico das varizes” com certeza aprovaria mais os modernos, feitos de material mais leve e bem mais confortáveis. Admitamos que não dá para guardar tudo. E pode ser que a moda até volte, mas demore uns vinte anos e as coisas que guardamos não nos sentem mais ou nem nos caibam! E a gente não vai parar de comprar sapatos porque estamos guardando os velhos para quando a moda voltar. Só vai ficar tudo mal estocado, o que já tira um bocado do prazer.

Mas a pior armadilha é o tal valor emocional da roupa. Está bem, eu admito que guardei o par de sapatos da minha formatura. Mas não dá para guardar o passado todo no closet. Nem sei se é saudável. Algumas coisas são guardadas por sentimento de culpa. Essas devem ser as primeiras a ir para a pilha. A gente nem precisa se preocupar muito, o nosso passado não nos abandona assim, no mais. Segunda-feira ele está lá, na batalha, junto com a gente. Mas a roupa provavelmente não, então... empilha no chão! Há aquela roupa ou calçado maravilhoso, no qual você se achava linda, mas que você quase nem usou e agora está démodé, ou não serve direito, e você tem pena de dar. Bom, eu decidi que o testemunho da minha falta de auto-estima não deve ficar no meu guarda-roupa. Que me sirva de lição vê-lo ali, na pilha. Por quê? Vai me dizer que não é falta de auto-estima não ter usado uma roupa na qual você se achava lindíssima?!
As pessoas são diferentes e vai ver que sou uma das poucas mulheres que conheço cujos hábitos neuróticos proporcionariam um enfrentamento desses com seu closet. Mas há tempos entendi que não adianta guardar roupas para o caixão, seja qual for o estilo de vestir que se tenha. Dos enfrentamentos que podemos ter conosco esse é dos mais divertidos. Caso haja algo nesse relato com o qual você se identifique, recomendo a experiência, pois faz bem para outros e, com bom humor, para você também! :)

Artigo publicado no jornal O Nacional em 21/03/2010